quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Para além do Nobel

 


Acredito que o Prêmio Nobel de Literatura de 2024 para a escritora coreana Han Kang foi merecido. Mulher, asiática, mas sobretudo autora de uma obra-prima: A vegetariana. Às vezes um único livro curto vale mais que dez calhamaços. Esperava que os críticos de plantão a tivessem lido antes de opinar, para não fazerem o que fizeram com Olga Tokarczuk, autora de outra obra-prima, Sobre os ossos dos mortos, que foi julgada com base nas escolhas de sua vida pessoal. Mas, para demonstrar como Han Kang “escreve mal”, andaram compartilhando um e outro trechinho de seus livros. Trechos soltos, tirados do contexto provavelmente por homens que não leram a obra na íntegra. Isso é o mesmo que pegar 3cm2 de uma pintura de 2 metros do Monet e dizer que nem para pintor de parede ele serve. Penso que muito da recusa que vi a sua obra se deve ao fato de sermos desde sempre expostos majoritariamente à prosa escrita por homens, de modo que a tomamos como medida de boa literatura e estranhamos outras maneiras de narrar. Felizmente, num mundo onde cada vez mais mulheres levantam sua voz, é natural que haja mais gente disposta a escutá-las. Han Kang pode não mudar a história do Nobel, mas pode abrir nossos olhos para autoras como You-Jeong Jeong, Mary Lynn Bracht, Min Jin Lee, Kyung-Sook Shin, Cho Nam-Joo e Frances Cha. Literatura escrita por mulheres, e não aparelhos eletrônicos, é o que de melhor a Coreia tem produzido ultimamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário