sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Dos Hinos à noite

Agora sei quando virá a última manhã – quando a luz não espantar mais a noite e o amor – quando o sono não tiver despertar, mas for apenas um sonho contínuo. Sinto em mim uma exaustão celestial. Longa e fatigante foi minha peregrinação ao túmulo sagrado e esmagadora foi a cruz. A onda cristalina, que, imperceptível ao senso comum, emerge do âmago escuro da colina contra cujos pés irrompe o dilúvio: aquele que provou dela, que permaneceu no alto da montanha e olhou para a terra prometida, para a morada da noite, não retornará mais ao tumulto do mundo, à terra onde reside a luz, em sua constante inquietação.
 
Novalis (tentativa de tradução a quatro mãos: as minhas e as de meu pai)
 
(Caspar David Friedrich, O viajante sobre o mar de névoa)
 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Da primeira carta

Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade.
 
(Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta. Trad. Paulo Rónai. Rio de Janeiro, Editora Globo, 1995)
 


 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Seis poemas de Dylan Thomas


EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.


Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


 

AMOR NO HOSPÍCIO

Uma estranha chegou
A dividir comigo um quarto nessa casa que anda mal da cabeça,
Uma jovem louca como os pássaros


Que trancava a porta da noite com seus braços, suas plumas.
Espigada no leito em desordem
Ela tapeia com nuvens penetrantes a casa à prova dos céus


Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,
Livre como os mortos,
Ou cavalga os oceanos imaginários do pavilhão dos homens.


Chegou possessa
Aquela que admite a ilusória luz através do muro saltitante,
Possuída pelos céus
Ela dorme no catre estreito, e no entanto vagueia na poeira
E no entanto delira à vontade
Sobre as tábuas do manicômio aplainadas por minhas lágrimas deâmbulas.

E arrebatado pela luz de seus braços, enfim, meu Deus, enfim
Posso de fato
Suportar a primeira visão que incendeia as estrelas.


 

ESTE LADO DA VERDADE

Para Llewlyn

Este lado da verdade,
Meu filho, tu não podes ver,
Rei de teus olhos azuis
No país que cega a tua juventude,
Que está todo por fazer,
Sob os céus indiferentes
Da culpa e da inocência
Antes que tentes um único gesto
Com a cabeça e o coração,
Tudo estará reunido e disperso
Nas trevas tortuosas
Como o dos mortos.


O bom e o mau, duas maneiras
De caminhar em tua morte
Entre as triturantes ondas do mar,
Rei de teu coração nos dias cegos,
Se dissipam com a respiração,
Vão chorando através de ti e de mim.


(tradução de Ivan Junqueira)



 

E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles quemuito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.


E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.


 

A FORÇA QUE IMPELE ATRAVÉS DO VERDE RASTILHO

A força que impele através do verde rastilho a flor
impele os meus verdes anos; a que aniquila as raízes das árvores
é o que me destrói.
E não tenho voz para dizer à rosa que se inclina
como a minha juventude se curva sob a febre do mesmo inverno.


A força que impele a água através das pedras
impele o meu rubro sangue; a que seca o impulso das correntes
deixa as minhas como se fossem de cera.
E não tenho voz para que os lábios digam às minhas veias
como a mesma boca suga as nascentes da montanha.


A mão que faz oscilar a água no pântano
agita ainda mais a areia; a que detém o sopro do vento
levanta as velas do meu sudário.
E não tenho voz para dizer ao homem enforcado
como da minha argila é feito o lodo do carrasco.


Como sanguessugas, os lábios do tempo unem-se à fonte;
fica o amor intumescido e goteja, mas o sangue derramado
acalmará as suas feridas.
E não tenho voz para dizer ao dia tempestuoso
como as horas assinalam um céu à volta dos astros.


E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada
como sobre o meu sudário rastejam os mesmos vermes.

 

A MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL

A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade;
cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração;
duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país;
estes cinco reis levaram a morte a um rei.


A mão soberana chega até um ombro descaído
e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo gesso;
uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte
que pôs fim às palavras.


A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre,
e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;
maior se torna a mão que estende o seu domínio
sobre o homem por ter escrito um nome.


Os cinco reis contam os mortos mas não acalmam
a ferida que está cicatrizada, nem acariciam a fronte;
mãos que governam a piedade como outras o céu;
mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.


(tradução de Fernando Guimarães)

 

 

 

Da Galícia


Abri as frescas rosas,
fazei brilhar os cravos
do seu jardim, ó árvore, vesti-vos
de lindas folhas verdes;
videira que nos destes sombra outrora,
a cobrir-vos de pâmpanos voltai.
Natureza formosa,
eternamente a mesma,
dizei aos loucos, aos mortais dizei
que eles não perecerão.

 

 

Não cuidarei dos rosais
que ele deixou, nem dos pombos;
que eles sequem, como eu seco,
que eles morram, como eu morro.

(Rosalía de Castro, trad. Ecléa Bosi)

domingo, 24 de novembro de 2013

CocoRosie no Brasil




(CocoRosie na turnê do novo álbum, o lindo Tales of a GrassWidow)


(CocoRosie & Antony, "Tears for animals")

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Livro com A maiúsculo





 
(Adriana Versiani dos Anjos, Alessandra M. Soares, Cláudio Santos Rodrigues, Clô Paoliello, Glória Campos, Mário Azevedo. Diário de A. Belo Horizonte, 2 Linhas, 2013)


domingo, 10 de novembro de 2013

Denise, essa Maga


{26}

{devo confessar. sua sutileza intuitiva me surpreendeu: ter suposto que talvez a minha essência pudesse ser alcançada não pelo excesso e pelo acúmulo de informação, mas pela noção fragmentada, pela nota marginal, pelo rabisco despretensioso: ter optado pela possibilidade do alcance do todo mediante o traçado da errância e da descontinuidade: alcançar-me quiçá (com evasiva alegria, você medita) pelo fortuito embaraçar-se, pelo vulgar encontrão, pelo patético equívoco: penso ser um razoável azimute: o do ao sabor do acaso. não marque portanto hora, pois lá não estarei.}

(Roberto Amaral, Le mot juste. Orobó Edições, 2011)
 
 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Less

Poemas e haicais meus no Portal Cronópios - Literatura e Arte. Clique aqui para ver.

(Uma casa móvel para guardar as palavras)