TEOLOGIA NEGATIVA
Nas maçãs do mistério
um louco
morde a sombra
do sol.
Sob o peso
da solidão
é o meu número.
Hoje a comarca não me
compra.
Uso sapatos
de chumbo para o vento
não me roubar.
Mostro a imensa
substância
das noites escuras
de San Juan de La
Cruz.
Na fuga
do hospício etéreo
a realidade se salva
em porta:
arranha-céu.
NOITES ENSOLARADAS
Do poema, romperam-se
as romãs.
No coro dos granizos,
fugiram as sibilas.
Íamos habitar a
abóbada celeste,
mas a nave não
atravessou
a noite do Hades.
Nossa odisseia era
para ser maior
que o mar de Homero.
SOM E FÚRIA
No limite de um mundo
pobre em significados,
solto astronautas
de manicômios
e a estrelografia
tem a consciência
do aço.
O devaneio
é o único
domínio dos fatos.
Sonhamos tanto,
amamos tanto,
mas no final,
calamos as medidas
numa casa de
ausências.
HABITUAL
Todos os dias
somos espostejados
como parte
do espetáculo.
A cada palmo
de terra
uma cova de leões
como se os dentes
das feras fossem
a gramática dos ossos
e o Coliseu o melhor
lugar para morar.
O QUE NOS FALTA
Sonora é a solidão,
sonoro
o silêncio, sonora
a carne do gueto
e sonora é a boca
em busca de palavras
que se abram em
pálpebras.
No efêmero,
onde o eterno
copula com o vazio
e androides deificam a
sensação
em bens de consumo,
cabe ao poeta,
condenado
à embriaguez do verbo,
fazer alusões à casa
que nos falta.
OCEANO ENTRE AS MÃOS
Para te amar,
gastei os sapatos
como quem pisa
em redemoinhos
sagrados.
Para te amar,
coloquei em pétalas de
papoula
o pássaro que emana
da garganta e guardei
a via láctea do teu
nome nos estrondos
de um nirvana.
Para te amar,
fiz da saudade uma
amiga
de longa data
— aprendi que a vida
é um sonho e há
esperas
que sangram.
Para te amar,
domei os meus leões,
domestiquei
o medo e não esperei
que a cerveja gelasse.
(Tito Leite é poeta e monge beneditino, e autor de Digitais do caos e Aurora de cedro)