quarta-feira, 16 de março de 2022

A culpa é dos pratos

A culpa é dos pratos

Que me destruíram

 

Mesmo quando poucos

São mais do que eu

 

Mesmo quando me lembro

Do mestre vietnamita

Que morreu lutando pelo amor

E que dizia

“Enquanto estivermos lavando os pratos

Deveríamos apenas lavar os pratos”

 

Não posso mais vencer os pratos

Que me ultrapassam e me reduzem a cacos

Mesmo quando dormem pacíficos

No armário de madeira

 

Para que tanto prato, meu Deus,

Pergunta meu coração

Porém meus olhos

Vocês já sabem

 

Então vem alguém

Que lava os pratos quando eles me atacam

E me lembra que perto

Bem perto

Há quem não tenha pratos para lavar

Nem o que pôr dentro deles

 

E aí me envergonho

De querer arremessá-los pela janela

Contra a parede

Ou contra os homens

Com toda a força

Que não tive para lavá-los.

 

(Leila Guenther)

 

 


 

Es culpa de los platos

Que me han destruido

 

Aun siendo pocos

Son más de lo que soy

 

Aun cuando me acuerdo

Del maestro vietnamita

Que murió luchando por el amor

Y que decía

“Mientras estamos lavando platos

Debemos sólo lavar platos”

 

Ya no puedo vencer a los platos

Que me sobrepasan y me hacen pedazos

Aun cuando duermen pacíficos

En el mueble de madera

 

Para qué tantos platos, Dios mío,

Pregunta mi corazón

Pero mis ojos*

Ustedes ya lo saben

 

Entonces alguien viene

Y lava los platos cuando sufro su ataque

Y me recuerda que aquí cerca

Muy cerca

Hay quien no tiene platos que lavar

Ni qué ponerles adentro

 

Y entonces me avergüenzo

De querer tirarlos por la ventana

Contra la pared

O contra los hombres

Con toda la fuerza

Que no he tenido para lavarlos.

 

(traducción de Marcelo Donoso)

 

* Referencia a poema de Carlos Drummond de Andrade

 

 


A história do budismo pelas mulheres ocidentais

Duas excelentes obras sobre a história do budismo escritas por mulheres (para iniciantes ou iniciados, publicadas pela L&PM)



“Conviver com uma abordagem da vida fora do âmbito de uma verdade única ou de um deus criador permite melhor se situar, até mesmo se redefinir em relação às ideias recebidas, e examinar com mais lucidez a própria responsabilidade na aventura humana. A redescoberta do budismo, ou sua reavaliação na ótica da sociedade atual, globalizante e enredada em antagonismos, talvez ateste a lenta tomada de consciência de um mal-estar, senão de uma doença, cujo diagnóstico o Buda histórico já havia apresentado. Ao afirmar que a fonte da malignidade, e portanto do ódio – de si ou dos outros –, encontra-se no desejo egoísta – desejo de poder, desejo de possessão, desejo de dominação –, o Despertado indica o ponto sensível. Ele também oferece o remédio, mas não pode tomá-lo no lugar da pessoa”. 

(Claude B. Levenson, Budismo. Trad. Rejane Janowitzer. L&PM, 2013)

 

 


“O budismo, visto do Ocidente [no séc. XIX], apresentava problemas. Como seria possível de fato compreender um fenômeno religioso que não se preocupa com a criação nem com deus – ou pelo menos com os deuses? Como uma doutrina que nega a existência da alma pode ter a pretensão de ser chamada de religião? Seu fundador nem se apresenta como um profeta. Buda, como observou, consternado, Jules Barthélemy-Saint-Hilaire, ‘ignora Deus de maneira tão completa que nem procura negá-lo’.” 

(Sophie Royer, Buda. Trad. Ana Ban. L&PM)