terça-feira, 30 de novembro de 2010

Alices




Li a versão integral de Alice no País das Maravilhas, que conhecia de adaptações infantis, pela primeira vez aos 33 anos, na cama da enfermaria de um hospital, nos dias anteriores à minha alta, quando eu, já recuperados alguns movimentos, conseguia pelo menos virar sozinha as páginas de um livro, depois de passar quase dez dias em coma em uma Unidade de Tratamento Intensivo. Foi um presente, em vários sentidos. Porque afirmam que eu “nasci de novo”, posso dizer que este foi o primeiro livro que li na minha (segunda) vida. E o país das maravilhas, para mim, passou a ser algo muito concreto, mas de difícil definição, pois eu não poderia jamais admitir que, quando as coisas não vão bem, não é para o colo de minha mãe, os braços do amado ou o ombro do amigo que meus pensamentos se dirigem, mas para aquele quarto coletivo de hospital público, sem espelhos, onde recebo, em paz no meio dos mais variados barulhos, os cuidados de rosângelas, marias da graça, sandras e outras funcionárias - enfermeiras e faxineiras de cujo nome já não me lembro.

Leila Guenther. Este lado para cima. Sereia Ca(n)tadora/ Revista Babel, 2011.


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Apresentação de O vôo noturno das galinhas no Peru



Gabriel Ruiz Ortega, Leila Guenther, Julia Wong Kcomt e Leonardo Dolores em foto de Salomon Senepo Gonzales

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Notas de rodapé para um texto inexistente

(52)

Julio Ramón Ribeyro – escritor peruano, walseriano em sua discrição, sempre escrevendo como que na ponta dos pés para não tropeçar em seu próprio pudor ou não tropeçar, porque nunca se sabe, em Vargas Llosa – sempre abrigou a suspeita, que se foi tornando convicção, de que há uma série de livros que fazem parte da história do Não, embora não existam. Esses livros fantasmas, textos invisíveis, seriam aqueles que um dia batem a nossa porta e, quando vamos recebê-los, por um motivo frequentemente fútil, esfumam-se; abrimos aporta e não estão mais ali, foram embora. Certamente era um grande livro, o grande livro que estava dentro de nós, aquele que realmente estávamos destinados a escrever, nosso livro, o mesmo que nunca mais vamos poder escrever nem ler. Mas esse livro, que ninguém duvide disso, existe, está como que suspenso na história da arte do Não.
“Lendo Cervantes há pouco”, escreve Ribeyro em La tentación del fracaso, “passou por mim um sopro que, infelizmente, não tive tempo de captar (por quê?, alguém me interrompeu, o telefone tocou, não sei), pois lembro que me senti impulsionado a começar algo... Depois tudo se dissolveu. Todos nós guardamos um livro, talvez um grande livro, mas que no tumulto de nossa vida interior raras vezes emerge, ou o faz tão rapidamente que não temos tempos de arpoá-lo”.

(Enrique Vila-Matas, Bartleby e companhia. Trad. Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista. Cosac Naify, 2004)