terça-feira, 30 de novembro de 2010

Alices




Li a versão integral de Alice no País das Maravilhas, que conhecia de adaptações infantis, pela primeira vez aos 33 anos, na cama da enfermaria de um hospital, nos dias anteriores à minha alta, quando eu, já recuperados alguns movimentos, conseguia pelo menos virar sozinha as páginas de um livro, depois de passar quase dez dias em coma em uma Unidade de Tratamento Intensivo. Foi um presente, em vários sentidos. Porque afirmam que eu “nasci de novo”, posso dizer que este foi o primeiro livro que li na minha (segunda) vida. E o país das maravilhas, para mim, passou a ser algo muito concreto, mas de difícil definição, pois eu não poderia jamais admitir que, quando as coisas não vão bem, não é para o colo de minha mãe, os braços do amado ou o ombro do amigo que meus pensamentos se dirigem, mas para aquele quarto coletivo de hospital público, sem espelhos, onde recebo, em paz no meio dos mais variados barulhos, os cuidados de rosângelas, marias da graça, sandras e outras funcionárias - enfermeiras e faxineiras de cujo nome já não me lembro.

Leila Guenther. Este lado para cima. Sereia Ca(n)tadora/ Revista Babel, 2011.


Um comentário:

  1. Que experiência extraordinária, e que sensação intrigante, essa que você confessa! E eu, que ando sempre a farejar e a pressentir uma obra de arte, fico aqui pensando com meus botões: eis aí uma coisa que se prepara para transfigurar-se.

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