sábado, 31 de março de 2018

Autorretrato aos vinte anos

Me deixei levar, peguei o bonde andando e não soube nunca 
para onde poderia ter me conduzido. Ia cheio de medo, 
meu estômago ficou embrulhado e minha cabeça zunia:
devia ser o ar frio dos mortos.
Não sei. Me deixei levar, achei que era uma pena 
acabar tão cedo, mas por outro lado
escutei aquele chamado misterioso e convincente.
Ou você escuta ou não escuta, e eu o escutei
e quase caí no choro: um som terrível,
nascido no ar e no mar.
Um escudo e uma espada. Então,
apesar do medo, me deixei levar, encostei o meu rosto
no rosto da morte.
E para mim foi impossível fechar os olhos e não ver
aquele espetáculo estranho, lento e estranho,
embora encravado em uma realidade velocíssima:
milhares de rapazes como eu, imberbes
ou barbados, porém todos latino-americanos,
de rosto colado com a morte.

(Roberto Bolaño, em tradução minha e de Marcelo Donoso)


terça-feira, 20 de março de 2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

15 de março de 2018


(Marielle Franco, 1979-2018)


Venho repetindo
com a consciência do fracasso
os passos de sempre
à procura de mim
à procura de um chão para chamar de país
desde a primeira luz da manhã 
que me faz ver o que não quero
até a escuridão da noite 
em que me prometem o esquecimento do que vi

Há quem lute em meu lugar
Há quem morra no lugar de todos
Há quem nos mate todos os dias

Hoje
“Ficaram velhas todas as notícias.”