segunda-feira, 25 de março de 2013

Julio Cortázar + Gotan Project


 
"(...) y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua." (Julio Cortázar, Rayuela)

Jacques Derrida: literatura, política e tradução


É amanhã o lançamento do novo livro de Marcos Siscar

sábado, 16 de março de 2013

Perversos, amantes e outros trágicos


Lançamento do novo livro de Eliane Robert Moraes

quarta-feira, 13 de março de 2013

A outra máquina do mundo

Se quando contemplamos as secretas
causas, por que o mundo se sustenta,
o revolver dos céus e dos planetas;

e se quando a memória se apresenta
este curso do sol, que é tão medido
que um ponto só não mingua nem se aumenta;

aquele efeito, tarde conhecido,
da lüa, em ser mudável tão constante
que minguar e crecer é seu partido;

aquela natureza tão possante
dos céus, que tão conformes e contrários
caminham, sem parar um breve instante;

aqueles movimentos ordinários,
a que responde o tempo, que não mente,
cos efeitos da terra necessários;

se quando, enfim, revolve sutilmente
tantas cousas a leve fantasia,
sagaz, escrutadora e diligente;

vê bem, se da razão só não desvia,
o altíssimo Ser, puro e divino,
que tudo pode, manda, move e cria;

sem fim e sem começo, um ser contino;
um Padre grande, a quem tudo é possível,
por mais árduo que seja ao homem indino;

um saber infinito, incompreensível;
üa verdade que nas cousas anda,
que mora no visível e invisível.

Esta potência, enfim, que tudo manda,
esta causa das causas, revestida
foi desta nossa carne miseranda.

Do amor e da justiça compelida,
polos erros da gente, em mãos da gente
– como se Deus não fosse – perde a vida.

o cristão descuidado e negligente,
pondera isto que digo, repousado;
não passes por aqui tão levemente.

Não, que aquele Deus alto incriado,
Senhor das cousas todas, que fundou
o céu, a terra, o fogo e o mar irado,

não do confuso caos, como cuidou
a falsa teologia e povo escuro,
que nesta só verdade tanto errou;

não dos átomos falsos de Epicuro;
não do largo oceano, como Tales,
mas só do pensamento casto e puro.

Olha, animal humano, quanto vales,
que por ti este grande Deus padece
novo modo de morte, novos males.

Olha que o sol no Olimpo se escurece,
não por oposição doutro planeta,
mas só porque virtude lhe falece.

Não vês que a grande máquina inquieta
do mundo se desfaz toda em tristeza,
e não por natural causa secreta?


Não vês como se perde a natureza;
o ar se turba; o mar, batendo, geme,
desfazendo das pedras a dureza?


(...)
(Camões, “À paixão de Cristo, nosso senhor”)

A máquina do mundo

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco


se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas


lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,


a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.


Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável


pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar


toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.


Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera


e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,


convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,


assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,


a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de


teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,


olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,


essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo


se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”


As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge


distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos


e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber


no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,


e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:


e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,


tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.


Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,


a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;


como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face


que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,


passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes


em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,


baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.


A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,


se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


(Carlos Drummond de Andrade)