quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Meridianos

AUTO DO RETRATO

Este corpo não é meu
Visto-o como emprestado
a algum nobre antepassado
que dentro em mim se escondeu

Esta alma não é minha
Habita apenas o eterno
inútil espaço de um terno
que com o corpo caminha

Não é minha a cicatriz
que desenharam nos ombros
Nem esses olhos de escombros
Tampouco o queixo e o nariz

De mim apenas o gesto
o olhar, o passo, a ironia
a fútil genealogia
de tudo que sobra e é resto



PONTOS DE ACUPUNTURA

aqui onde passa o meridiano do coração
outrora foi o Mar da China
5.000 arqueiros de armaduras reluzentes como o sol
lançavam incendiárias flechas atonais de suas flautas
para saudar o equinócio de pérolas da Dinastia T’ang
mas o crisântemo desarmonizou-se com a nota kung
e os lótus se afogaram na décima primeira lua


descíamos a vau para as montanhas tibetanas de Kung Lu
onde o céu e a terra engendram as dez mil coisas
rompendo o Portão do Inferno e o Portão da Nuvem
para a conferência anual das quatro estações
em que os ancestrais se reúnem próximo
à cortina do bambu de seda
e o verão descansa a cabeça no travesseiro de jade
para ouvir a sutra da palavra tranquila


transcorria o Ano da Serpente e era o Hexagrama 58
movimento e repouso em algum lugar do vazio
o Grande Yang e o Pequeno Yin convocaram
para o sacrifício imperial
as artemísias em fogo e os espinhos de metal
para restabelecer o fluxo das águas na energia da vida
e o Rio Amarelo tornou a fluir nas correntezas das veias
como um peixe que nadasse livre entre musgos e líquenes



POEMA QUASE-LÁPIDE

um dia ficarei tão leve
que os pássaros cruzarão o meu coração
e nem o seu canto poderá ferir-me


(Luís Augusto Cassas)


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Yami no Ichinichi e o Perigo Amarelo


(Mario Jun Okuhara, Yami no Ichinichi: o crime que abalou a colônia japonesa no Brasil)

Para mais informações, ver "'O japonês é como o enxofre… insolúvel': identidade nacional, raça e violência de estado"  (Outra Coluna: Resistência Asiática e Solidariedade Antirracista).

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

domingo, 10 de setembro de 2017

Três anos esta noite

Para Marcelo Donoso

Era um provérbio
Foi um redondilho
E desde então será sempre verdade

Ao algoz da Noite
Agradeço cada dia que nasceu depois da morte

Há três anos ou trinta que estes mesmos dias
São sempre outros
Porque você inventa novos idiomas
Com os quais escrevo nossa história

Que é - sobretudo -
Uma História dos que Voltaram a Cantar

(Jamais nos calaremos novamente)

Nesta hagiografia a música celebra os "males que 
                             [vêm pra bem", o certo das linhas tortas
E as palavras alcançam todos os centímetros do templo maior.