Ontem fomos assistir a Cão sem plumas, espetáculo de Deborah Colker inspirado em João
Cabral de Melo Neto. Passaram muitas coisas desconectadas por minha cabeça, numa espécie de fluxo aleatório, enquanto me entregava à hipnose do movimento: minhas aulas de um yoga intenso e transformador e de uma dança na qual a "sororidade" e o "jogo de cintura" são
tão importantes, as palavras de um texto clássico do tantrismo ("Na verdade, cada corpo é
um universo completo") e de Dôgen, monge introdutor do zen-budismo no Japão, via meu professor de mindfulness, Marcelo Demarzo ("O universo inteiro é o corpo real do ser humano"), meu contato com a sinuosidade do boxe tailandês, a quase palpável energia vital "chi" que perpassa tudo, a alegria de respirar, a meditação que a cada dia me põe mais presente no presente, mas sobretudo a consciência de que o corpo é um instrumento de
expressão poderosíssimo e, portanto, extremamente subversivo. Deve ser por isso
que ele assusta e amedronta tanto. Durante muito tempo
dividi mente e corpo como se fossem entidades distintas, sem entender que são
uma coisa só: a mente é parte do corpo. Isso só mudou por meio de práticas contemplativas que, a despeito do
conteúdo mental, são bastante físicas.
Hoje posso dizer: habito um corpo, logo existo.