quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Por falar em silêncio

 



Se me perguntassem do novo filme do diretor alemão Wim Wenders, Perfect Days, ambientado no Japão, eu responderia como Glória Pires: “não sou capaz de opinar”. Estou demasiado dentro dele para julgar. Transito nele com naturalidade. Viveria nele sem problemas. Talvez por descender de alemães e de japoneses? Mas ocorre que também me sinto completamente à vontade num de seus filmes americanos, sem ter nada de americana: Paris, Texas, cujo protagonista se recusa a falar e que, quando resolve fazê-lo, e de forma eloquente, eu poderia dublar de cor; Paris, Texas, onde eu compraria um terreno imaginário para construir uma casa que não existe, só para poder ficar calada sem ter de dar explicações. O protagonista de Perfect Days, responsável pela limpeza de banheiros públicos, quase não fala, como o de Paris, Texas, embora também seja eloquente. Wim Wenders conseguiu fazer um filme mais japonês que o próprio Japão. Wim Wenders, que, com seu documentário Tokyo-Ga, deu a melhor explicação para o silêncio e o alheamento japonês do pós-guerra. “O que você disse?”, pergunta meu companheiro em determinado momento do longa. E eu não havia dito nada: ele é que tinha confundido a voz de uma das personagens com a minha.

Em tempos: dizem que nos antigos e silenciosos mosteiros zen-budistas japoneses, onde quase todas as atividades eram realizadas em revezamento pelos monges, apenas uma era executada pelo mais alto na hierarquia: a limpeza dos banheiros.