quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Godzilla no México

Olha só, meu filho: as bombas caíam 
sobre a cidade do México
mas ninguém percebia.
O ar transportou o veneno através
das ruas e janelas abertas.
Você acabava de comer e assistia na tevê
a um desenho animado.
Eu estava lendo no quarto ao lado
quando soube que iríamos morrer.
Apesar do enjoo e da náusea
me arrastei até a sala de jantar e encontrei você no chão.
Nos abraçamos. Me perguntou o que estava acontecendo
e eu não disse que estávamos no programa da morte
mas que íamos começar uma viagem,
mais uma, juntos, e que não era para ter medo.
Ao ir embora, a morte nem sequer
fechou nossos olhos.
O que somos?, você me perguntou uma semana ou um ano depois,
formigas, abelhas, números equivocados
na grande sopa podre do destino?
Somos seres humanos, meu filho, quase pássaros,
heróis públicos e secretos.

(Roberto Bolaño, traduzido por Marcelo Donoso e por mim)


quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Poema da extinção

A noite destrói a oração dos insones, 
                [o coração das trevas e dos leões 
               [que ronronavam no tapete da sala 
             [banhado pelo sol magro atravessando 
                                                        [a janela
Benditos os cães que se eu pedisse 
               [me rasgariam a barriga e mastigariam 
        [o pudim de vidro que jantamos dias atrás 
A selva e seu chamado trazem uma certidão 
               [de nascimento antiga e rasurada 
                                  [onde não consta pai
Os que ainda não chegaram esperam 
           [na fila subterrânea junto às minhocas 
                 [e comem terra apenas por distração 
Esta é a hora dos ruminantes, 
                       [que nos espiam da eternidade 
               [com a pena infinita de quem pisca 
        [os olhos com lentidão e extravagância 
Já não há jaulas pelas quais lutar 
E o sabiá já não abre o bico nem para dizer 
“Nunca mais”


(Leila Guenther)



segunda-feira, 8 de outubro de 2018