terça-feira, 16 de novembro de 2010

Notas de rodapé para um texto inexistente

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Julio Ramón Ribeyro – escritor peruano, walseriano em sua discrição, sempre escrevendo como que na ponta dos pés para não tropeçar em seu próprio pudor ou não tropeçar, porque nunca se sabe, em Vargas Llosa – sempre abrigou a suspeita, que se foi tornando convicção, de que há uma série de livros que fazem parte da história do Não, embora não existam. Esses livros fantasmas, textos invisíveis, seriam aqueles que um dia batem a nossa porta e, quando vamos recebê-los, por um motivo frequentemente fútil, esfumam-se; abrimos aporta e não estão mais ali, foram embora. Certamente era um grande livro, o grande livro que estava dentro de nós, aquele que realmente estávamos destinados a escrever, nosso livro, o mesmo que nunca mais vamos poder escrever nem ler. Mas esse livro, que ninguém duvide disso, existe, está como que suspenso na história da arte do Não.
“Lendo Cervantes há pouco”, escreve Ribeyro em La tentación del fracaso, “passou por mim um sopro que, infelizmente, não tive tempo de captar (por quê?, alguém me interrompeu, o telefone tocou, não sei), pois lembro que me senti impulsionado a começar algo... Depois tudo se dissolveu. Todos nós guardamos um livro, talvez um grande livro, mas que no tumulto de nossa vida interior raras vezes emerge, ou o faz tão rapidamente que não temos tempos de arpoá-lo”.

(Enrique Vila-Matas, Bartleby e companhia. Trad. Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista. Cosac Naify, 2004)

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