Rosa
Montero descreve muito bem, em O perigo de estar lúcida, algo difícil de pôr em palavras: aquilo que o
transforma numa espécie de alienígena de um planeta inabitado, desconectado de
qualquer realidade conhecida. Apesar do assunto (a relação entre criação e
loucura), seu texto é, em muitas partes, bem-humorado, como só conseguem ser os
dos que passaram por graves crises psíquicas. Afinal, como não rir de si mesmo
depois de períodos em que não se consegue sair de casa, porque pisar no chão lá
fora é pisar num campo literalmente minado? O trecho abaixo toca em dois pontos
assustadores da minha própria existência: o medo de perder a sanidade e o medo
de que isso se repita. Essas crises atingem mais os artistas (sejam eles bons
ou ruins) e, dentre eles, mais os que trabalham com a palavra do que qualquer
outro grupo. E a incidência de bipolares é mais alta do que a de apenas
depressivos.
“O
transtorno psíquico é um súbito e inesperado raio que te fulmina. Sua chegada
devastadora tem certa semelhança com os acidentes domésticos graves.
Imaginemos, por exemplo, um deslize e uma queda no banheiro que fratura suas
costas: um segundo antes, sua vida era normal e vertical, indolor e sequencial,
vinha do passado e se projetava em direção ao seu pequeno e próximo futuro
(tomar banho, se vestir e ir trabalhar, ou então escovar os dentes e ir para a
cama), e, um segundo depois, sem prever nem pensar, você se encontra horizontal
e quebrada, atônita, indefesa, dilacerada por uma dor indizível, eliminada da
sua vida e da sua realidade por muito tempo, talvez para sempre, se a lesão for
importante. Pois bem, é assim que a crise mental se abate sobre você. Parece
vir de fora e te sequestra. Na primeira vez, eu me encontrava sozinha na copa
de casa. Deviam ser onze horas da noite e eu estava assistindo à televisão sem
muito interesse, talvez porque não tivesse vontade de terminar de tirar a mesa,
como era minha obrigação. Meu pai devia estar indo dormir; minha mãe, na
cozinha; meu irmão mais velho, sabe-se lá onde. Então, aconteceu: a sala
começou a se distanciar de mim, o mundo inteiro encolheu e passou para o outro
lado de um túnel escuro, como se eu estivesse olhando a realidade através de um
telescópio. E junto com a anomalia visual veio o terror, uma onda de pânico
indizível, um medo puro e duro de uma intensidade que eu jamais experimentara
antes e que, além de tudo, não tinha nenhuma causa aparente. ‘O pior era a
sensação de terror constante sem fazer a menor ideia do que eu tinha medo’, diz
o psicólogo Andrew Solomon sobre uma depressão que sofreu. Eu também não sabia
por que estava assustada, mas me sentia prestes a morrer de susto. Meu corpo
tremia com violência e meus dentes batiam e, para piorar as coisas, segundos
depois surgiu outro medo, este sim já com motivo: a convicção de estar louca.
Afinal, de que outra forma seria possível entender o que estava me acontecendo?
(…) A princípio, você acha que nunca mais vai voltar à normalidade, que ficará
presa para sempre nessa atormentada dimensão de pesadelo, mas na realidade as
crises de pânico duram poucos minutos e depois vão se dissolvendo. Não por
completo, evidentemente. Sempre fica o medo do medo (o terror absoluto de
voltar a cair no buraco) e uma vaga sensação de apatia e irrealidade que gruda
em você como um sudário. Nos piores momentos, você não se atreve a frequentar
reuniões sociais, a sair para a rua ou dirigir, com medo de que se repita. Não suporta
assistir à televisão ou ir ao cinema, porque a falta de confiabilidade do mundo
parece aumentar. Claro, você volta a ter outros ataques, no meu caso cada vez
mais espaçados, e ao cabo de um ano ou um ano e meio, mais ou menos, você
recupera sua vida. Até o próximo período de trevas.”
(Rosa Montero, O perigo de estar lúcida. Trad. Marina Sanchez. Todavia)
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