quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Antropoceno


 

Está parecendo que eu odeio a humanidade
Desde que vi as morsas caindo de montanhas
Em que nunca deveriam ter subido
As morsas quicando
Uma, duas, três vezes e caindo estateladas
No meio da multidão de morsas

Na costa da Rússia, eu que nunca estive lá
Chorei como quem passava a amar somente os bichos
E as plantas que cultivo no meu apartamento
Sob um pedacinho de sol
Que os arquitetos deixaram por compaixão
Ou por esquecimento

Soube então que faltavam geleiras às morsas
E que elas agora se viravam nas pedras
Amontoadas, que algumas subiam as montanhas e
O resultado já disse
Elas caem e fica parecendo que eu
Odeio a humanidade

Como se eu não soubesse que gente
Também é bicho
Como se eu não entendesse que é preciso amar
A minha própria espécie
Fica parecendo que eu não compreendo
Que nós caímos quando a morsa cai.

(Adriane Garcia, Estive no fim do mundo e me lembrei de você. Peirópolis)

2 comentários:

  1. Ahhhh que alegria estar por aqui no dia em que li seu poema lindíssimo Carta aberta ao rei do Butão. Gente, leiam esse poema de Leila!

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    1. Não exagero quando digo que "Antropoceno" é o poema mais impactante de nossa época

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