sexta-feira, 11 de abril de 2025

Abutre

 

Marina Yukawa, escritora, jornalista, e uma das fundadoras do Coletivo Escritoras Asiáticas & Brasileiras, estará também lançando seu livro de contos Abutre (Editora Terra Redonda) no dia 12/4, no Nekô Fest, comigo. Estamos juntas representando o Brasil em Más allá del haiku: antología de autores nikkei latinoamericanos, organizada por dois professores de universidades norte-americanas, Ignacio López-Calvo e Koichi Hagimoto. Foi por meio dela e de Marilia Kubota que tomei contato com várias autoras asiáticas ou da diáspora que me reconciliaram com a prosa: Yoko Ogawa, Julie Otsuka, Celeste Ng etc.

Marina é autora de Sorrisos Amarelos: histórias de jovens mulheres orientais no Brasil, livro-reportagem sobre “cinco jovens mulheres orientais ou descendentes que vivem no Brasil e que sofrem, ou já sofreram, violência, assédio e/ou preconceito devido ao estereótipo que carregam por suas origens e como tais experiências definem quem elas são”.

Abutre é seu primeiro livro de contos, embora ela já tenha participado, além de Más allá del haiku: antología de autores nikkei latinoamericanos, das antologias Isto não é direito: contos sobre Estado e (in)justiça no Brasil e Colapso: narrativas do antropoceno, também editados pela Terra Redonda.

Seus contos a princípio me lembraram um Edgar Alan Poe em surto, sofrendo as consequências de viver dentro de um cenário kafkiano, em que a anormalidade e o caráter de pesadelo são tratados de forma realista como cotidiano banal, criando um efeito de estranheza que eu, como contista, gostaria de atingir. Mas depois me dei conta de que a escrita de Marina era só dela mesma, e que carregava sua história, seu gênero, sua cor e sua forma de habitar o mundo.

Deixo aqui um trechinho de um de seus contos de Abutre, “Setas que voam de dia”: 

No começo, eu achava que era só falta de educação. Meu pai me ensinou a não apontar para os outros, mas parecia que todo o resto achava natural erguer o dedo para mim. As pessoas no metrô, nos ônibus, até andando na rua.

Pensei que estava ficando fedida; que algo podre crescia dentro de mim e só eu não conseguia ver. Fungava tentando achar meu fedor, farejava como cachorro atrás de carne morta. Comecei a usar mais shampoo, mais desodorante. Lavava minhas roupas todas à mão, enxaguava várias vezes na água e esfregava. Passava pomadas em feridas que eu imaginava pelo corpo todo. Algumas me doíam, outras eu abria em mim para conseguir senti-las. Aumentou ainda mais. Meu cheiro de muitos cremes e sabonetes estaria enjoando as pessoas, mas já não conseguia deixar de me lavar. Eu me sujava para poder ver a sujeira e então me lavar.

Talvez não fosse o cheiro. Talvez fosse a cara, o cabelo, a forma do corpo. Tinha que ser algo visível, algo perceptível. Não tinha como ser algo profundo – não tinha profundidade. Eu me encontrava rasa, completamente exposta, como se nua. E as pessoas apontavam para mim, me indicavam a feiura, a rudeza, o excesso de minha falta. De forma misteriosa, a aparência conseguia denunciar a podridão que eu era por dentro, e então as pessoas apontavam.

Ninguém nunca me falava. Quase não me olhavam. Muitas vezes estavam com os olhos fixos em algum livro ou no celular, mas ainda assim, com a mão que tinham livre, me apontavam. Se o natural era andar com os braços abaixados a não cansar, a gravidade então teria se deslocado e me tornado o fundo da terra. E me perguntava se aquilo era o mais fundo do poço em que eu poderia chegar. Não, eu me respondia, e temia minhas próprias respostas.





quinta-feira, 10 de abril de 2025

Lançamento do novo livro

O Nekô Fest, onde ocorrerá o lançamento de meu livro de poemas Este lado para baixo (Editora Peirópolis), é um evento de cultura asiática que abriga iniciativas de origens diversas e tem caráter inclusivo e heterogêneo. Não é uma feira de cultura tradicional: outra de sua iniciativa reúne apenas expositoras asiáticas que pretendem desfazer estereótipos ligados à imagem da mulher “oriental”.

Este lado para baixo vai ser lançado como parte de um programa completo de sabadão, dentro de um festival ao ar livre, onde todos se sintam acolhidos e à vontade. Será algo descontraído, com música, artes visuais, oficinas, comidinhas de várias partes da Ásia, junto ao Coletivo de Escritoras Asiáticas & Brasileiras, de que participo. Marina Yukawa, uma de suas fundadoras, também estará lá lançando seu livro de contos, Abutre (Editora Terra Redonda).

O evento é das 11h às 20h e eu estarei lá das 15h às 18h.

No dia, meu livro estará com 40% de desconto.

Ficarei feliz de vê-los por lá.