Marina
Yukawa, escritora, jornalista, e uma das fundadoras do Coletivo Escritoras
Asiáticas & Brasileiras, estará também lançando seu livro de contos Abutre (Editora Terra Redonda) no dia 12/4,
no Nekô Fest, comigo. Estamos juntas representando o Brasil em Más allá del haiku: antología de autores nikkei latinoamericanos, organizada por dois professores de universidades
norte-americanas, Ignacio López-Calvo e Koichi Hagimoto. Foi por meio dela e de Marilia Kubota que tomei contato com várias autoras asiáticas ou da diáspora que me reconciliaram com a prosa: Yoko Ogawa, Julie Otsuka, Celeste Ng etc.
Marina
é autora de Sorrisos Amarelos: histórias de jovens mulheres orientais no
Brasil, livro-reportagem
sobre “cinco jovens mulheres orientais ou descendentes que vivem no Brasil e
que sofrem, ou já sofreram, violência, assédio e/ou preconceito devido ao
estereótipo que carregam por suas origens e como tais experiências definem quem
elas são”.
Abutre é seu primeiro livro de contos, embora ela já
tenha participado, além de Más allá del haiku:
antología de autores nikkei latinoamericanos, das antologias Isto não é
direito: contos sobre Estado e (in)justiça no Brasil e Colapso: narrativas do antropoceno, também editados pela Terra
Redonda.
Seus contos a princípio me lembraram um Edgar
Alan Poe em surto, sofrendo as consequências de viver dentro de um cenário
kafkiano, em que a anormalidade e o caráter de pesadelo são tratados de forma realista
como cotidiano banal, criando um efeito de estranheza que eu, como contista,
gostaria de atingir. Mas depois me dei conta de que a escrita de Marina era só
dela mesma, e que carregava sua história, seu gênero, sua cor e sua forma de
habitar o mundo.
Deixo aqui um trechinho de um de seus contos de Abutre, “Setas que voam de dia”:
No começo, eu achava que era só falta de educação. Meu pai me ensinou a não apontar para os outros, mas parecia que todo o resto achava natural erguer o dedo para mim. As pessoas no metrô, nos ônibus, até andando na rua.
Pensei que estava ficando fedida; que algo podre crescia dentro de mim e só eu não conseguia ver. Fungava tentando achar meu fedor, farejava como cachorro atrás de carne morta. Comecei a usar mais shampoo, mais desodorante. Lavava minhas roupas todas à mão, enxaguava várias vezes na água e esfregava. Passava pomadas em feridas que eu imaginava pelo corpo todo. Algumas me doíam, outras eu abria em mim para conseguir senti-las. Aumentou ainda mais. Meu cheiro de muitos cremes e sabonetes estaria enjoando as pessoas, mas já não conseguia deixar de me lavar. Eu me sujava para poder ver a sujeira e então me lavar.
Talvez não fosse o cheiro. Talvez fosse a cara, o
cabelo, a forma do corpo. Tinha que ser algo visível, algo perceptível. Não
tinha como ser algo profundo – não tinha profundidade. Eu me encontrava rasa,
completamente exposta, como se nua. E as pessoas apontavam para mim, me
indicavam a feiura, a rudeza, o excesso de minha falta. De forma misteriosa, a
aparência conseguia denunciar a podridão que eu era por dentro, e então as
pessoas apontavam.
Ninguém nunca me falava. Quase não me olhavam. Muitas
vezes estavam com os olhos fixos em algum livro ou no celular, mas ainda assim,
com a mão que tinham livre, me apontavam. Se o natural era andar com os braços abaixados
a não cansar, a gravidade então teria se deslocado e me tornado o fundo da
terra. E me perguntava se aquilo era o mais fundo do poço em que eu poderia
chegar. Não, eu me respondia, e temia minhas próprias respostas.