Começo por recordar que
homólogo tem significados diversos que dizem com correspondente, correlato,
equivalente, análogo e semelhante. O novo livro de Leila Guenther remete às
partes homólogas, mas também às heterólogas. Nem por isso, o título do volume de
contos deveria mencioná-las, porque se deve guardar alguma surpresa ao leitor
(e sei que estrago isso ao revelar). É fato que o título do livro replica o de
um dos contos enfeixados, no entanto todo o conjunto, de um ou de outro modo,
remete às homologias ou ao seu contraste.
Nas situações apresentadas pelos contos, fica-se diante de tudo
e do nada, dos encontros e das perdas, das semelhanças e das diferenças, da
atração e do repúdio, da viagem e do retorno, do fato e da ficção.
Os contos, todos os contos e não só os do livro da Leila, pedem
certa porção de verossimilhança e outra de mentira (grossa ou fina). Tem-se bem
isso, no conto “Partes homólogas”, em que se partiria da história de vida dos
tailandeses Chang e Eng Bunker, xifópagos, para nomeá-los Wang e Chu aqui. Da
correção dos fatos conhecidos, faz-se história nova, para reunir o que um dia
não se separou. O absurdo vai do psicológico ao físico e vice-versa, sim,
porque, na vida, também há deformidades construídas.
As fragilidades físicas e do espírito, que poderiam aproximar as
pessoas que as têm semelhantes, distanciam nas guerras pessoais e na vida, até
a morte aproximadora e a lembrança gravada fundo, na sobrevivente, como em
“Para um menino na guerra”. Guerra pessoal, essa.
Nem tudo tem fim determinado, no mundo dos contos: a estrutura
aberta deixa espaço para presunções e essa pluralidade indica coisas múltiplas
que podem ter ocorrido. “Romã” é amor, no anagrama. O amor pediria
correspondência e não ascendência. As palavras da autora dão direito a que o
leitor busque tudo o que possa encontrar. Nesse conto, feito de mentiras e
sinceridades, ascendência e subserviência, presença e alheamento, adolescência
e maturidade, verdade e invenção, pés no chão e embriaguez, tem-se abuso
crescente e estupro tal que – lá vou eu, leitor palpiteiro, – poderia ser
equiparado a incesto, dado o peso da confiança entre professor e aluna que
marcou o início de uma relação. Para mim, juntamente com “A outra causa”, o
conto “Romã” representa chave para a apreensão maior do livro.
As analogias presentes nesse livro de Leila ganham expressão de
peso em contos como “De fogo e de água” e “A evolução da espécie”: “o México
era uma mulher que chorava em silêncio [diante de um espelho, acrescento] num banheiro
público”, no primeiro, e o xolo colocado na manjedoura, no segundo. Fato em um,
ficção em outro.
“A vida às vezes é absurda”, como bem o mostra “Quando Alice
encontrou K”, diante do espelho da verdade. Existiria conto sem absurdo?
“A outra causa” é o título de um conto extremamente irônico,
escrito sob a forma de carta de uma missivista masoquista (discípula,
romântica, melancólica e no fim da vida), dirigida a Garcia, um amigo, sobre
Fortunato, o extremamente sádico marido dela, que a complementa.
Não menciono os demais contos de Leila, aliás recheados de
verdades aforísticas aqui e ali (“O destino é um conjunto arbitrário de
coincidências”), mas devo ainda ressaltar que todos parecem afluir para a mesma
temática do drama das relações humanas, especialmente em matéria do amor entre
pessoas - fora, sobre e dentro.
O livro Partes homólogas
vale cada uma de suas palavras.
(Valdir Rocha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário