domingo, 16 de novembro de 2014

Comer a Arte


Tenho uma amiga – excelente cozinheira – que diz que alimentar pessoas é um dom. Mas acho que quem é alimentado também recebe uma dádiva. Porque se trata de algo que transforma tanto quem prepara o alimento quanto quem o come. E isso eu percebi com mais clareza quando uma vizinha (também excelente cozinheira) trouxe os sushis que seu filho, um rapaz que conheci menino, tinha preparado. Ele é sushiman. Eu já os tinha experimentado antes. Da primeira vez, tive a certeza de que era a melhor comida japonesa que eu já provara. Da segunda, não apenas japonesa, mas a melhor de todas, e que o que eu estava comendo era Arte. Naquele momento, deu-se a transformação de que falo acima: minhas atribulações sumiram. A felicidade mora num sushi, concluí, e eu queria ser feliz de novo, de modo que fui até o restaurante onde ele trabalhava. Como falar de sabor? Como, com palavras, dar a dimensão do que não pode ser dito? A descrição mais próxima que eu conseguiria seria esta: eu estive na Festa de Babette. Quem leu o conto ou viu o filme talvez consiga ter uma ideia. Penso também no documentário O Sushi dos Sonhos de Jiro, sobre Jiro Ono, considerado o melhor sushiman do mundo. Jiro revela seu trabalho incansável de shokunin, de fazer todos os dias da vida a mesma coisa em busca da perfeição sem saber se, aos 86 anos, a alcançará: “Vou continuar a escalada, tentando atingir o topo. Mas ninguém sabe onde ele fica!” Então penso no que esse rapaz estará criando quando tiver 86 anos. Jiro diz que sonha com sushis. Eu também.

(leila guenther)

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