Tenho uma amiga – excelente cozinheira – que
diz que alimentar pessoas é um dom. Mas acho que quem é alimentado também
recebe uma dádiva. Porque se trata de algo que transforma tanto quem prepara o
alimento quanto quem o come. E isso eu percebi com
mais clareza quando uma vizinha (também excelente cozinheira) trouxe os sushis
que seu filho, um rapaz que conheci menino, tinha preparado. Ele é sushiman. Eu já os tinha experimentado
antes. Da primeira vez, tive a certeza de que era a melhor comida japonesa que
eu já provara. Da segunda, não apenas japonesa, mas a melhor de todas, e que o
que eu estava comendo era Arte. Naquele momento, deu-se a transformação de que
falo acima: minhas atribulações sumiram. A felicidade mora num sushi, concluí, e eu queria ser feliz de
novo, de modo que fui até o restaurante onde ele trabalhava. Como falar de
sabor? Como, com palavras, dar a dimensão do que não pode ser dito? A descrição
mais próxima que eu conseguiria seria esta: eu estive na Festa de Babette. Quem leu o conto ou viu o filme talvez consiga
ter uma ideia. Penso também no documentário O
Sushi dos Sonhos de Jiro, sobre Jiro Ono, considerado o melhor sushiman do mundo. Jiro revela seu
trabalho incansável de shokunin, de fazer
todos os dias da vida a mesma coisa em busca da perfeição sem saber se, aos 86
anos, a alcançará: “Vou continuar a escalada, tentando atingir o topo. Mas
ninguém sabe onde ele fica!” Então penso no que esse rapaz estará criando
quando tiver 86 anos. Jiro diz que sonha com sushis. Eu também.
(leila guenther)
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