segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A esposa do mercador do rio: uma carta

Quando ainda usava franja no cabelo,
Eu brincava perto do portão principal, colhendo flores,
Você vinha sobre pernas de pau, brincando de cavalo,
Andava ao meu redor, brincando com ameixas azuis.
E assim vivíamos na aldeia de Chokan:
Duas crianças, sem desgosto nem malícia.

Aos quatorze anos o desposei, meu senhor.
Por timidez, nunca ria.
De cabeça baixa, olhava para o muro.
E, mesmo chamada mil vezes, nunca olhava para trás.

Aos quinze parei de resistir,
Desejei que minhas cinzas se misturassem às suas
Para sempre e para todo o sempre.
Para que eu deveria subir até o mirante?

Aos dezesseis você partiu.
Foi para além de Ku-to-yen, pelo rio sinuoso,
E faz cinco meses que está ausente.
Lá no alto os macacos fazem um triste barulho.
Você arrastava os pés quando foi embora.
Perto do portão, agora, o musgo cresce; diversos tipos de musgo,
Enraizados demais para serem arrancados!
As folhas caem cedo neste outono, com o vento.
As borboletas, aos pares, já amarelecem, neste agosto,
Sobre as ervas do jardim do poente;
Elas me ferem. Estou envelhecendo.
Se estiver descendo pelos estreitos do rio Kiang,
Avise-me logo, por favor,
E eu irei, para encontrá-lo,                                                                                                     Até as alturas de Cho-fu-Sa.

(Ezra Pound, trad. Leila Guenther)


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