Suponho que essas duas histórias podem ser interpretadas mais como testemunho da importância dos escritores na França do que como evidência da justiça francesa. Com certeza o mundo anglófono nunca presenciou nada parecido com o julgamento do escritor Jean Genet, em 1943, pelas repetidas condenações por furto. Genet se deparava com a prisão perpétua como punição por ser um reincidente contumaz, mas Jean Cocteau, que havia descoberto Genet e providenciado a publicação de seu primeiro romance, Nossa Senhora das Flores, apresentou uma declaração que foi lida na corte: “Ele é Rimbaud, não se pode condenar Rimbaud”. Cocteau insinuou que o juiz entraria para a história como um filisteu se tomasse a decisão errada. Nem por um momento Cocteau argumentou que Genet era inocente, mas simplesmente que era um gênio. Seu testemunho livrou Genet, sem qualquer punição.
Esses casos exemplares, e mesmo surpreendentes, deveriam ser ponderados em contraste com a justiça peremptória e muitas vezes arrogante exercida sobre os cidadãos comuns. Na França, não há habeas corpus, e até pouco tempo atrás pessoas perfeitamente inocentes podiam ser mantidas durante meses, anos até, em prisão preventiva se um juiz considerasse que elas sabiam mais do que estavam dizendo. Como escreveu Mavis Gallant sobre o juiz na França: “Ele pode detê-lo até que você mude de ideia. Se, no fim, você for inocente, não há recurso contra a lei. Você não pode nem abrir um processo pleiteando a simbólica quantia de um franco por danos, ainda que a detenção preventiva lhe tenha custado o emprego, o equilíbrio doméstico e a sua reputação”. Nos anos 1960, com a eclosão da Guerra da Argélia, centenas de árabes definharam nas prisões francesas por longos períodos, sem nem sequer ser julgados, muito menos condenados.
(Edmund White, O flâneur: um passeio pelos paradoxos de Paris. Trad. Reinaldo Moraes. São Paulo, Companhia das Letras, 2001)
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