quarta-feira, 11 de junho de 2025

Adornos


Tomava meu café arábica de grãos moídos na hora
Quando vi a foto de uma flor desabrochando:

Imensa vermelho intenso
A natureza em seu esplendor
A força da primavera surgindo
De um caule delgado e flexível
Em lugar inóspito
(“Uma flor nasceu na rua!”)

Ponho os óculos de ver o vivo:
Não era uma flor
Era uma criança decapitada

Explico:
Os filmes de ficção nos mostram sempre
Um corte limpo reto no pescoço
E um jato carmim simétrico de chafariz

Mas o que vi foi:
Num corpo sem cabeça
O pescoço se abre numa massa gigante
De carne sangrenta artéria osso rompido
Maior do que aquilo que se equilibrava sobre o caule

(Você sabia que existe diferença entre decapitação e degola?)

Voltei ao café que eu mesma preparei
Humildemente pensando na vida
E no mais recente extermínio

Construir é difícil e demorado
Destruir é fácil e rápido
Reconstruir
É só para os que têm esperança
E tempo pela frente.

Será possível escrever poesia florida depois disso?

Não. "Escrever poesia depois de Auschwitz
É um ato de barbárie", respondeu Theodor Adorno.

Pois é por isso que o faremos:
Por quem vive na violência das palavras

Para não serem esquecidos
Pelos que (ainda) mantêm

Sua cabeça sobre os ombros


(Leila Guenther)





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