
Tomava meu café arábica de grãos
moídos na hora
Quando vi a foto de uma flor desabrochando:
Imensa vermelho intenso
A natureza em seu esplendor
A força da primavera surgindo
De um caule delgado e flexível
Em lugar inóspito
(“Uma flor nasceu na rua!”)
Ponho os óculos de ver o vivo:
Não era uma flor
Era uma criança decapitada
Explico:
Os filmes de ficção nos mostram sempre
Um corte limpo reto no pescoço
E um jato carmim simétrico de chafariz
Mas o que vi foi:
Num corpo sem cabeça
O pescoço se abre numa massa gigante
De carne sangrenta artéria osso rompido
Maior do que aquilo que se equilibrava sobre o caule
(Você sabia que existe diferença entre decapitação e degola?)
Voltei ao café que eu mesma preparei
Humildemente pensando na vida
E no mais recente extermínio
Construir é difícil e demorado
Destruir é fácil e rápido
Reconstruir
É só para os que têm esperança
E tempo pela frente.
Será possível escrever poesia florida depois disso?
Não. "Escrever poesia depois de Auschwitz
É um ato de barbárie", respondeu Theodor Adorno.
Pois é por isso que o faremos:
Por quem vive na violência das palavras
Para não serem esquecidos
Pelos que (ainda) mantêm
Nenhum comentário:
Postar um comentário