quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Dois poemas pandêmicos

Caminho com cuidado olhando o verde

As inúmeras nuances de verde que a luz origina

Quando toca o mato, a grama, o abacateiro

Ou um coração vermelho-sangue

As primeiras maçãs ainda estão verdes

Como um dia também fui

 

O mundo começa onde o sol nasce

 

Os esquilos voam de árvore em árvore

Sem que nada lhes aconteça

Sento-me na terra e mexo apenas os olhos

Do chão até o céu e até no céu

Há um verde insidioso

O musgo me envolve aos poucos

À medida que detenho os movimentos


Por alguns instantes a bomba que carrego

                                            [não explode


 


 

Tudo demora mais comigo

Movo-me em câmera lenta

Arrastando os pés com curativos

Que tapam feridas que nunca cicatrizaram

As lágrimas escorrem devagar do olho esquerdo

Porque o direito entupiu há muito

Ainda tenho a tosse de uma gripe

                             [que começou em 2010

A recuperação leva tempo

Os pesadelos recorrentes vêm de

                         [quando existiam videocassetes

Só contei o que houve na infância trinta anos depois

Tudo demora mais comigo

Vivo ainda o luto de um cão que se foi

Quando minha mãe não tinha morrido

E nem sei quanto gastarei

Para velar os levados em sacrifício

 

Tudo demora mais comigo

Tenho a lentidão da tartaruga

Mas o casco dela ainda não me nasceu


(Leila Guenther) 

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