segunda-feira, 9 de junho de 2014

México por Maiakóvski

(capa da primeira edição, de 1926)

Um mundaréu de táxis e automóveis particulares se alterna com democráticos ônibus pesadões que dão solavancos, menos confortáveis e espaçosos do que nossa jamanta.
Essa concorrência, diante do caráter mais do que exaltado dos motoristas espanhóis, ganha formas de um verdadeiro combate.
Auto persegue auto, autos juntos perseguem ônibus, e todos conjuntamente sobem nas calçadas, perseguindo passantes precipitados.
Cidade do México é a primeira cidade do mundo em número de acidentes de automóveis.
O motorista no México não se responsabiliza por batidas (cada um por si!), por isso a duração média da vida sem bater é de dez anos. Uma vez a cada dez anos atropelam alguém. Na verdade, há também casos de não-atropelados no período de vinte anos, mas isso por conta dos já-atropelados em cinco anos.
Diferentemente dos inimigos da humanidade mexicana – os automóveis –, os bondes desempenham um papel humano. Eles conduzem defuntos.
Frequentemente veem-se espetáculos insólitos. Um bonde com parentes chorosos, mas o defunto está em um carro fúnebre a reboque. Todo esse cortejo fúnebre acontece muito rápido, com um mundaréu de buzinas e sem paradas.
Eletrificação original da morte!
Há relativamente pouca gente nas ruas em comparação com os Estados Unidos – pequenas casinhas com jardins, cidade de enorme extensão, mas 600 mil habitantes ao todo.
Há pouca propaganda de rua. Apenas de noite uma se estampa. Um mexicano feito de lâmpadas elétricas laça um maço de cigarros. E todos os táxis são enfeitados com mulheres arqueadas, prontas para nadar – propaganda de trajes de banho.
A única propaganda de que gosta o mexicano pouco impressionável é a baja – a liquidação. A cidade se atulha com essas liquidações. As companhias mais sólidas são obrigadas a anunciá-la – sem liquidação não se força o mexicano a comprar nem folha de parreira.
Nas circunstâncias mexicanas isso não é brincadeira. Dizem que a municipalidade pendurou uma placa em umas das entradas que levam à Cidade do México, para conscientização de indígenas naturais demais:

É PROIBIDO ENTRAR SEM CALÇAS NA CIDADE DO MÉXICO

(...)
Às onze horas, quando fecham teatros e cinemas, restam alguns cafés e bodegas subterrâneas suburbanas e arrabaldinas – e caminhar começa a se tornar bastante perigoso. Já não deixam entrar no jardim Chapultepec, no qual está o palácio do presidente.
Pela cidade um monte de disparos. A polícia que acorre nem sempre desvenda o assassinato. Mais do que tudo disparam em tavernas, usando Colts como saca-rolhas. Golpeiam gargalos de garrafas. Disparam simplesmente do carro, para fazer barulho. Disparam por aposta – tiram a sorte, quem vai matar a tiro –, o sorteado mata com honra. Disparam para o jardim Chapultepec de caso pensado. O presidente ordenou que não permitissem a entrada no jardim quando está escuro (no jardim do palácio presidencial), que disparassem depois da terceira advertência. Não se esquecem de disparar, só que às vezes se esquecem de advertir. Os jornais escrevem com prazer sobre assassinatos, mas sem entusiasmo. Mas, em compensação, quando o dia passa sem mortes, o jornal publica com surpresa: “Hoje não houve assassinatos”.
É grande o amor pela arma. Costumam se despedir de um amigo assim: de pé, barriga com barriga, dão uns tapinhas nas costas – aliás, mais embaixo – e sempre dão uns tapinhas no pesado Colt, no bolso traseiro da calça.
Todo mundo faz isso, dos 15 até os 75 anos de idade.


(Vladímir Maiakóvski, Minha descoberta da América. Trad. Graziela Schneider. São Paulo, Martins, 2007)

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