sábado, 1 de fevereiro de 2014

Com E maiúsculo

Faleceu Eustáquio Gomes, Escritor, homem de letras no melhor sentido da expressão: alguém que se dedicou a viver a literatura, lendo e escrevendo incansavelmente sem se importar com prestígio, imagem ou em ser melhor do que os outros num meio não raro marcado por competição e ressentimento capazes de abater os mais incautos. Não fazia marketing, não aparecia sob os holofotes do mundo literário. Tinha generosidade com os novos escritores, respeito pelos contemporâneos e admiração pelos antigos. Um cult: traduzido até para o russo, escreveu, entre tantas obras, A Febre Amorosa, considerada pela crítica uma mistura de Machado de Assis com Oswald de Andrade (aliás, no posfácio desse grande livro, teve a coragem de colocar as críticas positivas e negativas que lhe fizeram, talvez para mostrar que literatura é, antes de tudo, uma questão de gosto – ninguém faz tese sobre assunto de que não gosta, não é?). Demonstrou no romance um perfeito domínio da técnica narrativa, ironia, humor, inteligência e, não menos importante, conhecimento da língua (algo meio desprezado hoje em dia, mas essencial: difícil produzir arte sem dominar os instrumentos e os materiais, sejam eles o idioma, os pincéis, o gesso ou as teclas de um piano). Eustáquio também parecia ter algo que cada vez mais me interessa na estética oriental e me afasta da ocidental: o chamado pelos japoneses espírito “shokunin”, do artista que trabalha com humildade, na condição de aprendiz eterno por anos a fio, e para o qual a vaidade atrapalha a criação e o aprimoramento da arte. São aqueles artistas japoneses, chineses, tibetanos, sábios que praticam todos os dias e que, com 80 anos de idade, apenas esperam fazer melhor quando chegarem aos 100. Gostaria de ver o que ele teria produzido daqui a 40 anos, se eu mesma estivesse viva lá. Quando eu crescer, quero ser escritora como Eustáquio Gomes.

 

(Leila Guenther)

 


 

 

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