terça-feira, 15 de outubro de 2013

Saindo do forno

Os cães não latiam, não se agitavam, mas ele sabia que o vigiavam. Concentrou a audição no ruído do veículo que se aproximava lentamente, até se apagar. Ouviu conversa de homens, o baque das portas ao serem fechadas. A corrente mexeu-se, foi puxada por fora, e então abriram a porta.
Empurraram os gêmeos para dentro. Pacato olhou-os, e viu Cuíca manietado por dois homens e Fiapo com o rosto inchado.
Ouviu quando os outros homens pararam de conversar.
A voz autoritária disse-lhe tudo, a voz e o jeito de andar, de pisar o chão, Pacato Patrício conhecia. À frente dos homens, apareceu o capataz. Pacato olhou-o e baixou a vista.
— Não precisamos mais de você. Pode ir — disse o capataz.
Pacato Patrício olhou para os irmãos e viu que eles tremiam. Caminhou lentamente na direção da porta e viu a aurora cinzenta na barra do horizonte. Não parou para olhar para trás.
Dois homens seguravam os cães. Ele saiu para a estradinha, de olho no nascente. Então ouviu, nítidos, os quatro estampidos.
 
(Jádson Barros Neves*, Consternação. Anajá, Casarão do Verbo, 2013)
 

* vencedor do Concurso Internacional de Contos Guimarães Rosa de Radio France Internationale/Paris, em 2000, do concurso de contos Cidade de Fortaleza/2003 e do Prêmio Cidade de Belo Horizonte, na categoria livro de contos inéditos, em 2008.

 


 
 
 

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