quinta-feira, 2 de junho de 2011

O jogo favorito

Breavman conhece uma garota chamada Shell cujas orelhas foram furadas de tal forma que ela poderia usar longos brincos de filigranas. Os furos infeccionaram e agora ela tem uma minúscula cicatriz em cada lóbulo. Ele as entreviu por trás dos cabelos.
Uma bala rompeu a carne do braço de seu pai enquanto ele se erguia de uma trincheira. Um homem com trombose coronária se conforta em carregar uma ferida tomada em combate.
Na têmpora direita, Breavman possui uma cicatriz que Krantz causou com uma pá. Problemas por causa de um boneco de neve. Krantz queria usar limalha no lugar dos olhos. Breavman era e ainda é contra o uso de materiais estranhos à decoração de bonecos de neve. Nada de cachecóis de lã, chapéus, óculos. Seguindo a mesma tendência, não aprova encaixar cenouras na boca das abóboras esculpidas nem prender orelhas de pepino.
Sua mãe examina o corpo inteiro como uma cicatriz desenvolvida sobre alguma perfeição inicial que ela procurava em espelhos e janelas e calotas de pneu.
As crianças exibem cicatrizes como medalhas. Os amantes as usam como segredos a serem revelados. Uma cicatriz é aquilo que acontece quando o mundo se faz carne.
É fácil exibir um ferimento, as orgulhosas feridas do combate. Difícil é mostrar uma espinha.



(Leonard Cohen, The Favourite Game. A tradução do trecho é minha)

Um comentário:

  1. As feridas e cicatrizes dos personagens revelam tanto que muitas pessoas conhecidas vieram à minha memória !

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