quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Triunfo


Quando Narciso nasceu, o cego Tirésias, que já vira o que era ser homem e o que era ser mulher, anunciou aos pais do belo menino que este viveria bastante e que durante muito tempo só saberia enxergar a si mesmo. Os pais, o deus Cefiso e a ninfa Liríope, não ficaram surpresos com o destino: com uma origem tão nobre, seria difícil que Narciso não se achasse, em sua longa existência, o centro do mundo.
As épocas transcorreram sem que Narciso fosse tocado pelo amor, que, no entanto, despertava tragicamente nos outros: a ninfa Eco, desesperada de paixão não-correspondida, enlouqueceu, passando a repetir o nome do amado para qualquer coisa que lhe dissessem, o jovem Amínias se suicidou com uma espada dada pelo próprio Narciso. Santos, pecadores, pintores e outros artistas o amaram sem que ele percebesse, tão concentrado estava na imagem de si mesmo. Até que, um dia, ao buscar seu reflexo numa fonte, como costumava fazer no exercício do amor-próprio, viu lá dentro o corpo de uma jovem afogada. Foi a primeira vez que Narciso viu algo mais bonito que ele próprio. Não se sabe se por amor àquela imagem ou por ódio de sua beleza, ele se matou, afogando-se ali também.
Nesse lugar nasceu uma flor, a que deram o nome de ofélia.



Leila Guenther. Texto publicado em Ciência e Cultura (http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252010000200028&script=sci_arttext)


(John Everett Millais, Ophelia) 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada! Não sabia se chamava de “Triunfo do romantismo” ou “Contra o clássico”... Deixei apenas “Triunfo”.

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