EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente
a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas
mágoas nos
braços,
Trabalho junto
à luz que
canta
Não por
glória ou
pão
Nem por
pompa ou
tráfico de encantos
Nos palcos
de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais
secreto coração.
Escrevo estas páginas
de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua
enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus
salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores
dos séculos,
Que não
me pagam nem
me elogiam
E ignoram meu ofício
ou minha
arte.
AMOR
NO HOSPÍCIO
Uma estranha chegou
A dividir comigo
um quarto
nessa casa que
anda mal
da cabeça,
Uma jovem louca
como os pássaros
Que
trancava a porta da noite
com seus
braços, suas
plumas.
Espigada no leito em
desordem
Ela tapeia com
nuvens penetrantes
a casa à prova
dos céus
Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,
Livre como
os mortos,
Ou cavalga os oceanos
imaginários do pavilhão
dos homens.
Chegou possessa
Aquela que admite a ilusória
luz através
do muro saltitante,
Possuída pelos céus
Ela dorme no catre
estreito, e no entanto
vagueia na poeira
E no entanto delira à vontade
Sobre as tábuas
do manicômio aplainadas por
minhas lágrimas
deâmbulas.
E arrebatado pela luz
de seus braços,
enfim, meu
Deus, enfim
Posso de fato
Suportar a primeira
visão que
incendeia as estrelas.
ESTE
LADO DA VERDADE
Para
Llewlyn
Este
lado da verdade,
Meu filho,
tu não
podes ver,
Rei de teus
olhos azuis
No país que
cega a tua juventude,
Que está todo
por fazer,
Sob os céus
indiferentes
Da culpa e da inocência
Antes que
tentes um único
gesto
Com a cabeça
e o coração,
Tudo estará reunido e disperso
Nas trevas tortuosas
Como o pó
dos mortos.
O bom e o mau, duas maneiras
De caminhar em
tua morte
Entre as triturantes ondas do mar,
Rei de teu
coração nos
dias cegos,
Se dissipam com a respiração,
Vão chorando através
de ti e de mim.
(tradução de Ivan Junqueira)
E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO
E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens
mortos irão confundir-se
com o homem
no vento e na lua do poente;
quando, descarnados
e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus
braços e pés
brilhar as estrelas.
Mesmo que
se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que
sejam submersos pelo mar,
eles hão-de ressurgir;
mesmo que
os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu
domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que
há muito repousam sobre
as ondas do mar
não morrerão com
a chegada do vento;
ainda que,
na roda da tortura,
comecem
os tendões a ceder,
jamais se partirão;
entre as suas
mãos será destruída a fé
e, como unicórnios,
virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua
unidade;
e a morte perderá o seu
domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar
mais as gaivotas
aos seus ouvidos
nem as vagas
romper tumultuosamente
nas praias;
onde se abriu uma flor
não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em
direcção à força das chuvas;
ainda que
estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos
as suas cabeças
pelas margaridas;
é no sol que
irrompem até que
o sol se extinga,
e a morte perderá o seu
domínio.
A FORÇA QUE IMPELE ATRAVÉS DO VERDE
RASTILHO
A força que impele através
do verde rastilho
a flor
impele os meus verdes
anos; a que
aniquila as raízes das árvores
é o que me
destrói.
E não tenho voz
para dizer à rosa que se
inclina
como a minha
juventude se curva
sob a febre
do mesmo inverno.
A força que impele a água
através das pedras
impele o meu rubro
sangue; a que
seca o impulso
das correntes
deixa as minhas
como se fossem de cera.
E não tenho voz
para que os lábios digam às minhas
veias
como a mesma
boca suga as nascentes
da montanha.
A mão que faz oscilar a água no pântano
agita ainda
mais a areia;
a que detém o sopro
do vento
levanta as velas do meu
sudário.
E não tenho voz
para dizer ao homem enforcado
como da minha
argila é feito
o lodo do carrasco.
Como
sanguessugas, os lábios
do tempo unem-se à fonte;
fica o amor intumescido
e goteja, mas o sangue
derramado
acalmará as suas feridas.
E não tenho voz
para dizer ao dia tempestuoso
como as horas
assinalam um céu
à volta dos astros.
E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada
como
sobre o meu
sudário rastejam os mesmos
vermes.
A MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL
A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade;
cinco dedos
soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração;
duplicaram o globo dos mortos
e reduziram a metade um país;
estes cinco
reis levaram a morte
a um rei.
A mão soberana chega até um ombro descaído
e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo
gesso;
uma pena de ganso
serviu para pôr fim à morte
que pôs fim
às palavras.
A mão ao assinar o tratado fez
nascer a febre,
e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;
maior se torna
a mão que
estende o seu domínio
sobre o homem
por ter escrito um nome.
Os cinco reis contam os mortos
mas não
acalmam
a ferida que
está cicatrizada, nem acariciam a fronte;
há mãos que
governam a piedade como
outras o céu;
mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.
(tradução de Fernando Guimarães)
Nenhum comentário:
Postar um comentário