Como todos os adolescentes que gostavam de rock
e música alternativa nos anos noventa, eu conhecia o trabalho da islandesa Björk
por causa da banda em que tocou, The Sugarcubes. Apesar de conhecer de antes a
exuberância de sua voz, só passei a realmente admirá-la em sua carreira solo. E
não foi nem no primeiro álbum, Debut, mas a partir do terceiro, Homogenic, que
escutei há quase vinte e cinco anos. Então minha vida se dividiu entre a.H. e
d.H. (o h aí de Homogenic).
A primeira música que ouvi do álbum foi “Bachelorette”,
e eu tive aquela sensação que tenho muito de vez em quando de que não poderia
mais viver sem aquilo. Algumas canções me trouxeram isso ao longo dos anos. Não
se trata de adorá-la, de ficar com ela martelando na cabeça, de achá-la bonita.
É outra coisa: é a certeza de que ela causou uma ruptura tal na ordem das
coisas que a vida se transformou. Que eu me transformei. “Soukora”, de Ali
Farka; “The sheltering sky” de Ryuichi Sakamoto; “Jisas Yu Holem Hand Blong Mi”,
do Choir of All Saints, da Melanésia, são algumas delas, junto com a já citada
da Björk.
Parece mais claro para mim que, a partir de
Homogenic, surge um paradoxo: nada mais haveria de novo sob o sol e, ao mesmo
tempo, tudo poderia ser completamente novo, as possibilidades musicais seriam infinitas.
Pelo menos para ela, que, além da própria Voz, também incorporou poemas de e.e. cummings, corais esquimós (inuit),
sons de pássaros gravados por um ornitólogo francês, orquestras, toda a tecnologia da
música eletrônica, músicos de todas as partes (como o vocalista, poeta, meditador e visionário Thom Yorke, do Radiohead) e instrumentos musicais cujo som incompreensível e inédito para mim me remete àquele que sairia do instrumento de Maiakóvski, que dizia executar seus versos na flauta
de suas próprias vértebras. A única coisa que não muda nunca em Björk, desde
criança, é sua voz, porque não há como aprimorar a perfeição.
Björk
carrega tudo o que já passou, todas as vozes humanas e não humanas do mundo para
transformá-las em algo que não alcançaremos jamais, porque não podemos estar onde
ela está, ou seja, constantemente a anos-luz de nós, do nosso presente. Estaremos
sempre atrás, contemplando hoje o rastro luminoso de um cometa que já passou
por aqui há muito e que, como é da natureza dos cometas, guarda a história do
universo inteiro.
Parafraseando o provérbio ioruba, Björk criou o Som ontem com a Voz que inventou amanhã.