UM CANTO VINDO DE LONGE
Era assim como um canto
que se ouve vindo de longe.
Voz de pássaro que se alimenta
de raízes das árvores encontradas nas montanhas.
Assim era a voz deslumbrante
que encantava os homens.
A única voz inglesa que vivia na cidade,
na nossa rua, a quatro quadras da minha casa.
Pedia a todos que a chamassem de ovelha.
E todos os homens, cheios de incontida alegria
obedeciam como se fossem beber água.
Na hora do gozo exigia que imitassem
um som que se assemelhava a voz de ovelha.
Um desvario. Uma loucura extremada.
Uma loucura mais que loucura
de homens andando de quatro pela varanda
gritando a mais absurda das palavras. Bé.
Foi um matador de ovelhas que a matou.
Matou-a como matava as suas ovelhas.
Deu-lhe um golpe profundo no pescoço
e permaneceu sentado rente à cama,
ouvindo um canto vindo de longe,
até a manhã do outro dia.
ILDA
Se acaso tivesse eu
a violeta chinesa
eu a colocaria nesse
vaso marajoara e diria:
mesmo vivos
não temos liberdade
para viver.
Se acaso tivesse eu
o único boi vermelho
com listras brancas
eu o colocaria entre
essas palhas de feijão
e esses milhos brancos e diria:
ainda que te transformes em sangue
poderei dizer: foste meu filho
e antes que essas balas
e essas explosões
atinjam meu peito
abrirei a única liga
que me prende a ti – a sacola marrom-
e deixarei o sangue escorrer.
Sobre esta montanha que piso
meus pés desconhecem.
E esse vento frio que joga
essas folhas pardas no meu rosto
é o mais forte dos nove invernos.
(Celso de Alencar)
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