sexta-feira, 22 de junho de 2012

O que os pit bulls podem nos ensinar sobre criminalidade

(...) Claro que nem todos os pit bulls são perigosos. A maioria não morde ninguém. Enquanto isso, os dobermanns, dogues alemães, pastores-alemães e rottweilers são mordedores frequentes também, e o cachorro que dilacerou uma francesa fazendo com que recebesse o primeiro transplante de rosto do mundo foi, por incrível que pareça, um labrador. Quando dizemos que os pit bulls são perigosos, estamos fazendo uma generalização, assim como as seguradoras usam generalizações quando cobram mais caro dos homens jovens pelo seguro automobilístico e os médicos usam generalizações quando recomendam aos homens obesos de mais-idade que verifiquem a taxa de colesterol (embora muitos homens obesos de meia-idade jamais sofrerão de problemas cardíacos). Como não sabemos qual cão morderá alguém, quem sofrerá um ataque cardíaco ou quais motoristas vão se envolver em acidentes, só podemos fazer previsões generalizando. (...)
Outra palavra para generalização, porém, é estereótipo, e os estereótipos não costumam ser considerados dimensões desejáveis de nossas tomadas de decisão. O processo de passar do específico ao geral é ao mesmo tempo necessário e perigoso. Um médico poderia, com algum respaldo estatístico, generalizar sobre homens de certa idade e peso. Mas e se a generalização de outros traços – como pressão arterial alta, histórico familiar e tabagismo – salvasse mais vidas? Por trás de cada generalização está uma opção de quais fatores incluir e quais excluir, e essas opções se mostram surpreendentemente complicadas. Após o ataque a Jayden Clairoux, o governo de Ontário optou por generalizar sobre os pit bulls. Mas poderia também ter optado por generalizar sobre cães fortes, sobre os tipos de pessoas que têm cães fortes, sobre crianças pequenas ou sobre cercas no quintal – ou, na verdade, sobre várias outras coisas ligadas a cães, pessoas e lugares. Como saber se fizemos a generalização certa?
(...)
A proibição de pit bulls envolve um problema de categoria também, porque os pit bulls, na verdade, não são uma raça única. O nome se refere a cães pertencentes a várias raças relacionadas, como terrier Staffordshire americano, o Bull terrier Staffordshire e o pit bull terrier americano – todos compartilhando um corpo quadrado e musculoso, um focinho curto e um pelo luzidio e curto. Desse modo, a proibição de Ontário inclui não apenas essas três raças, mas qualquer “cão que tenha uma aparência e características físicas que sejam substancialmente semelhantes” a elas. O termo técnico é cães do “tipo pit bull”. Mas o que isso significa? Um cruzamento entre um pit bull terrier americano e um golden retriever é um cão tipo pit bull ou do tipo golden retriever? Se pensar em terriers musculosos como sendo pit bulls é uma generalização, pensar em cães perigosos como sendo substancialmente semelhantes a pit bulls é uma generalização sobre uma generalização.
(...) Os pit bulls não foram criados para atacar seres humanos. Pelo contrário: um animal que atacasse os espectadores, seu treinador ou qualquer das pessoas envolvidas no adestramento de cães de briga costumava ser sacrificado. (A regra no mundo dos pit bulls era: “Devoradores de homens devem morrer.”)
Um grupo sediado na Geórgia chamado American Temperament Test Society (ATTS) submeteu 25 mil cães a um exercício padronizado de 10 etapas projetado para avaliar a estabilidade, a timidez, a agressividade e a cordialidade de um cão em companhia humana. Um treinador conduz o cão numa guia de 1,80m e julga sua reação a estímulos como tiros, um guarda-chuva se abrindo, um estranho em trajes esquisitos se aproximando de forma ameaçadora. Oitenta e quatro por cento dos pit bulls submetidos ao teste passaram, o que situa os pit bulls à frente de beagles, airedales, collies barbudos e todas as variedades do dachshund exceto uma. “Testamos cerca de mil cães do tipo pit bull”, diz Carl Herkstroeter, presidente da ATTS. “Eu testei a metade. E daqueles que testei reprovei um só pit bull por tendências agressivas. Eles se saíram muito bem. Eles têm um bom temperamento. São muito bons com crianças.” Pode-se até argumentar que os mesmos traços que tornam o pit bull tão agressivo com outros cães fazem com que sejam tão bons com seres humanos. “Existem vários pit bulls que são cães terapeutas licenciados”, observa a escritora Vicki Hearne. “Sua estabilidade e determinação fazem com que sejam excelentes no trabalho com pessoas que poderiam não gostar de um tipo de cachorro mais animado e volúvel. Quando os pit bulls resolvem confortar, são tão determinados quanto na luta, mas determinados em ser gentis. E como não sentem medo, podem ser gentis com qualquer um.”
Então quais são os pit bulls que se metem em confusão? “Aqueles visados pela legislação possuem tendências agressivas que são geradas pelo criador, ensinadas pelo treinador ou reforçadas pelo dono”, diz Herkstroeter. Um pit bull violento é um cão que ficou assim em decorrência da reprodução seletiva, do cruzamento com uma raça maior e agressiva com os seres humanos, como pastores-alemães ou rottweilers, ou do condicionamento que os leva a expressar hostilidade contra seres humanos. Portanto um pit bull é perigoso para as pessoas não na medida em que expressa sua natureza essencial de pit bull, mas na medida em que se desvia dela. Uma proibição é uma generalização sobre uma generalização sobre um traço que, na verdade, não é geral. Eis um problema de categoria.

(Malcom Gladwell, O que se passa na cabeça dos cachorros. Trad. Ivo Korytowski. Rio de Janeiro, Sextante, 2010)

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