(...)
Claro que nem todos os pit bulls são perigosos. A maioria não morde ninguém.
Enquanto isso, os dobermanns, dogues alemães, pastores-alemães e rottweilers
são mordedores frequentes também, e o cachorro que dilacerou uma francesa
fazendo com que recebesse o primeiro transplante de rosto do mundo foi, por
incrível que pareça, um labrador. Quando dizemos que os pit bulls são
perigosos, estamos fazendo uma generalização, assim como as seguradoras usam
generalizações quando cobram mais caro dos homens jovens pelo seguro
automobilístico e os médicos usam generalizações quando recomendam aos homens
obesos de mais-idade que verifiquem a taxa de colesterol (embora muitos homens
obesos de meia-idade jamais sofrerão de problemas cardíacos). Como não sabemos
qual cão morderá alguém, quem sofrerá um ataque cardíaco ou quais motoristas
vão se envolver em acidentes, só podemos fazer previsões generalizando. (...)
Outra
palavra para generalização, porém, é estereótipo,
e os estereótipos não costumam ser considerados dimensões desejáveis de nossas
tomadas de decisão. O processo de passar do específico ao geral é ao mesmo
tempo necessário e perigoso. Um médico poderia, com algum respaldo estatístico,
generalizar sobre homens de certa idade e peso. Mas e se a generalização de
outros traços – como pressão arterial alta, histórico familiar e tabagismo –
salvasse mais vidas? Por trás de cada generalização está uma opção de quais
fatores incluir e quais excluir, e essas opções se mostram surpreendentemente
complicadas. Após o ataque a Jayden Clairoux, o governo de Ontário optou por
generalizar sobre os pit bulls. Mas poderia também ter optado por generalizar
sobre cães fortes, sobre os tipos de pessoas que têm cães fortes, sobre
crianças pequenas ou sobre cercas no quintal – ou, na verdade, sobre várias
outras coisas ligadas a cães, pessoas e lugares. Como saber se fizemos a
generalização certa?
(...)
A
proibição de pit bulls envolve um problema de categoria também, porque os pit
bulls, na verdade, não são uma raça única. O nome se refere a cães pertencentes
a várias raças relacionadas, como terrier Staffordshire americano, o Bull
terrier Staffordshire e o pit bull terrier americano – todos compartilhando um
corpo quadrado e musculoso, um focinho curto e um pelo luzidio e curto. Desse
modo, a proibição de Ontário inclui não apenas essas três raças, mas qualquer
“cão que tenha uma aparência e características físicas que sejam
substancialmente semelhantes” a elas. O termo técnico é cães do “tipo pit
bull”. Mas o que isso significa? Um cruzamento entre um pit bull terrier
americano e um golden retriever é um cão tipo pit bull ou do tipo golden
retriever? Se pensar em terriers musculosos como sendo pit bulls é uma generalização,
pensar em cães perigosos como sendo substancialmente semelhantes a pit bulls é
uma generalização sobre uma generalização.
(...)
Os pit bulls não foram criados para atacar seres humanos. Pelo contrário: um
animal que atacasse os espectadores, seu treinador ou qualquer das pessoas
envolvidas no adestramento de cães de briga costumava ser sacrificado. (A regra
no mundo dos pit bulls era: “Devoradores de homens devem morrer.”)
Um
grupo sediado na Geórgia chamado American Temperament Test Society (ATTS)
submeteu 25 mil cães a um exercício padronizado de 10 etapas projetado para
avaliar a estabilidade, a timidez, a agressividade e a cordialidade de um cão
em companhia humana. Um treinador conduz o cão numa guia de 1,80m e julga sua
reação a estímulos como tiros, um guarda-chuva se abrindo, um estranho em
trajes esquisitos se aproximando de forma ameaçadora. Oitenta e quatro por
cento dos pit bulls submetidos ao teste passaram, o que situa os pit bulls à
frente de beagles, airedales, collies barbudos e todas as variedades do
dachshund exceto uma. “Testamos cerca de mil cães do tipo pit bull”, diz Carl
Herkstroeter, presidente da ATTS. “Eu testei a metade. E daqueles que testei
reprovei um só pit bull por tendências agressivas. Eles se saíram muito bem.
Eles têm um bom temperamento. São muito bons com crianças.” Pode-se até
argumentar que os mesmos traços que tornam o pit bull tão agressivo com outros
cães fazem com que sejam tão bons com seres humanos. “Existem vários pit bulls
que são cães terapeutas licenciados”, observa a escritora Vicki Hearne. “Sua
estabilidade e determinação fazem com que sejam excelentes no trabalho com
pessoas que poderiam não gostar de um tipo de cachorro mais animado e volúvel.
Quando os pit bulls resolvem confortar, são tão determinados quanto na luta,
mas determinados em ser gentis. E como não sentem medo, podem ser gentis com
qualquer um.”
Então
quais são os pit bulls que se metem em confusão? “Aqueles visados pela
legislação possuem tendências agressivas que são geradas pelo criador,
ensinadas pelo treinador ou reforçadas pelo dono”, diz Herkstroeter. Um pit bull
violento é um cão que ficou assim em decorrência da reprodução seletiva, do
cruzamento com uma raça maior e agressiva com os seres humanos, como
pastores-alemães ou rottweilers, ou do condicionamento que os leva a expressar
hostilidade contra seres humanos. Portanto um pit bull é perigoso para as
pessoas não na medida em que expressa sua natureza essencial de pit bull, mas
na medida em que se desvia dela. Uma proibição é uma generalização sobre uma
generalização sobre um traço que, na verdade, não é geral. Eis um problema de
categoria.
(Malcom
Gladwell, O que se passa na cabeça dos
cachorros. Trad. Ivo Korytowski. Rio de Janeiro, Sextante, 2010)
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