3
Sou lírica.
Trago lábios tensos e a lâmina que barbeou
meu pai a quem beijei antes da morte.
Meses inteiros na câmara escura, a luz
me remete a impropérios de toda ordem.
Sou lírica.
4
Estrume no canteiro dos mortos, olho
encantada essa desintegração, esse novo
alimento. Somos nós a nova geração de seres
que se alimentam de veneno puro, três doses
de veneno puro e só existem chapéus e um
canal que liga as Américas. A minha fonte
primordial anda suspensa, na corda bamba
da decadência: Veneza sucumbindo às águas.
Trago na mala a navalha com a qual retalhei
meu pai. Era tarde? Mastiguei um pouco da
carne e os cães brancos me perseguiram.
Nevava nos trópicos, os rios congelando e eu
correndo e pulando de um bloco para outro.
Lavei o sangue da navalha no canal que liga as
Américas.
(Adriana Versiani dos Anjos. A lâmina que matou meu pai. Edições Lâminas do Brasil. Belo Horizonte, 2012)
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