Perto da calçada, ele para, atraído pelo relevo de um objeto no chão. É um relógio de pulso, com o vidro quebrado, destruído talvez por um carro ou apenas vítima de alguém que o tenha arremessado de uma janela. O relógio parou às 13h55. Ele acha que essa é uma boa hora para começar, ou para parar de. Não sabe o que faz ali, parado também. As pernas doem, por isso imagina que tenha andado bastante. Lembra-se vagamente de ter passado por avenidas largas e cheias de gente, cruzado pontes e atravessado túneis que propagavam ao infinito o ruído dos carros. Lugares onde não se vê a luz. De onde não se diz se lá fora faz escuro. Ele se lembra também, de uma forma menos nítida e no entanto mais vívida, de um quintal com uma mesa comprida em torno da qual várias pessoas, cujos rostos ele não identifica mais, bebiam e comiam o que ele preparava. Ele tinha pessoas ao redor de si. Ele falava. Ele existia. Havia cachorros cercando a mesa, à espera de que lhes dessem comida. Havia sol. Um sol cujos raios apareciam de vez em quando entre a folhagem que a brisa movimentava. Mas isso parecia tão distante no tempo que ele não tinha a certeza de tê-lo mesmo vivido. Um sonho, quem sabe. Agora ele está cansado. Tem sede. Senta-se na beira da calçada com os braços apoiados sobre os joelhos, de modo que as mãos pendem para baixo. Um cachorro se aproxima e enfia a cabeça sob suas mãos. Ele o afaga. O cachorro fecha suavemente os olhos e põe a língua de volta para dentro da boca. Parece cansado. Deve ter sede. Pode ter percorrido vários lugares, avenidas largas e cheias de gente, cruzado pontes e atravessado túneis que propagavam ao infinito o ruído dos carros. O homem olha de súbito para o cão, retira as mãos de cima do animal, afivela o relógio no pulso. Tem a sensação de já ter feito isso antes, de ter vestido inúmeras coisas inúteis, velhas, quebradas. Trastes que achou pelo caminho, sapatos furados, chapéu amassado, camisa sem botão. Então olha para a nova posse. Diz para si mesmo que já está na hora, que já não é sem tempo. São 13h55. Ele se levanta e parte na direção oposta de onde julga ter vindo. O cachorro o segue.
(Leila Guenther)
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