AUTO DO RETRATO
Este corpo não é meu
Visto-o como emprestado
a algum nobre antepassado
que dentro em mim se escondeu
Esta alma não é minha
Habita apenas o eterno
inútil espaço de um terno
que com o corpo caminha
Não é minha a cicatriz
que desenharam nos ombros
Nem esses olhos de escombros
Tampouco o queixo e o nariz
De mim apenas o gesto
o olhar, o passo, a ironia
a fútil genealogia
de tudo que sobra e é resto
PONTOS DE ACUPUNTURA
aqui onde passa o meridiano do coração
outrora foi o Mar da China
5.000 arqueiros de armaduras reluzentes como o sol
lançavam incendiárias flechas atonais de suas flautas
para saudar o equinócio de pérolas da Dinastia T’ang
mas o crisântemo desarmonizou-se com a nota kung
e os lótus se afogaram na décima primeira lua
descíamos a vau para as montanhas tibetanas de Kung Lu
onde o céu e a terra engendram as dez mil coisas
rompendo o Portão do Inferno e o Portão da Nuvem
para a conferência anual das quatro estações
em que os ancestrais se reúnem próximo
à cortina do bambu de seda
e o verão descansa a cabeça no travesseiro de jade
para ouvir a sutra da palavra tranquila
transcorria o Ano da Serpente e era o Hexagrama 58
movimento e repouso em algum lugar do vazio
o Grande Yang e o Pequeno Yin convocaram
para o sacrifício imperial
as artemísias em fogo e os espinhos de metal
para restabelecer o fluxo das águas na energia
da vida
e o Rio Amarelo tornou a fluir nas
correntezas das veias
como um peixe que nadasse livre entre musgos e líquenes
POEMA QUASE-LÁPIDE
um dia ficarei tão leve
que os pássaros cruzarão o meu coração
e nem o seu canto poderá ferir-me
(Luís Augusto Cassas)
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