Os
temas recorrentes de [Walter] Benjamin são, tipicamente, meios de
espacialização do mundo: por exemplo, as ideias e as experiências vistas como
ruínas. Compreender alguma coisa é compreender sua topografia, saber como
mapeá-la. E saber como se perder.
Para
o indivíduo nascido sob o signo de Saturno, o tempo é o meio da repressão, da
inadequação, da repetição, mero cumprimento. No tempo, somos apenas o que
somos: o que sempre fomos. No espaço, podemos ser outra pessoa. O escasso senso
de orientação de Benjamin e sua incapacidade de interpretar o mapa de uma rua
transformam-se numa paixão pelas viagens e no domínio da arte de se perder. O
tempo não nos concede muitas oportunidades: ele nos impele por trás,
empurrando-nos pela estreita passagem do presente que desemboca no futuro. O espaço,
ao contrário, é amplo, fértil de possibilidades, posições, inserções,
passagens, desvios, conversões, becos sem saída, ruas de mão única. Na realidade,
demasiadas possibilidades. Como o temperamento saturnino é vagaroso, propenso à
indecisão, às vezes precisamos abrir caminho de faca na mão. Às vezes, acabamos
virando a faca contra nós mesmos.
A
característica do temperamento saturnino é a relação consciente e implacável
com o eu, que nunca pode ser dada como certa. O eu é um texto – precisa ser
decifrado. (Logo, é um temperamento adequado ao intelectual.) O eu é um
projeto, algo a ser construído. (Logo, é um temperamento adequado aos artistas
e aos mártires, àqueles que cortejam “a pureza e a beleza de um fracasso”, como
Benjamin diz a propósito de Kafka.) E o processo de construção do eu e de suas
obras é sempre demasiado lento. Estamos sempre em atraso em relação a nós
mesmos.
(Susan
Sontag, Sob o Signo de Saturno. Trad.
Ana Maria Capovilla e Alibino Poli Jr. L&PM Editores, 1986)
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