Como naquele tempo em que as sombras caminhavam conosco
Lembras? Tuas sandálias puídas de caminhar sobre as
[pedras das escarpas
Eras o mais velho entre nós, o mais experiente em buscar alimento
[nas cercanias da miséria
Brincavas pouco a deixar-nos espalhar os ossos dos bichos
[como alegorias
Cresceste mais duro e mais depressa que nós, Lavineg,
[foste o mais bravo
Não fomos criados para sermos humanos, senão animais astutos
[a sobreviver à agreste herdade de espinhaços nos couros do cangaço
Perdi-me nos dias de retirante a sobejar lonjuras
Foste para mim a rosa dos ventos, a esperada chuva do sertão, a regar
[a força para a luta
Caminhei teus passos fisgados pelo coração seco feito carne de sol
Envelhecemos pois, Lavineg, cada qual ao seu modo,
[tu o tempo da idade, eu o tempo da História preso nos pés
Ensinaram nossos pais que a vida é desaviso, canto de carcará,
[fuga de asa branca no pouso da manhã
Fui mundo afora, Brasil fundura de imensidão, foste todo o universo
[dentro do meu peito
Não pediste permissão para arribar ventania, ganhar paisagem
[de despedida
Lavineg, vá, vá, avisa lá em casa que eu me demoro
[o tempo da precisão
(Rita Alves, 29/01/2019)
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