Eu sei que falar do poder das
palavras é um lugar-comum. No entanto, não posso me esquivar de fazê-lo quando
se trata da obra de Adriana Versiani dos Anjos. Talvez até por motivos
pessoais: quando me iniciei na literatura, com pequenos contos, era como ela
que eu queria escrever. Foi sua prosa curta, poética e estranha que ainda não
tinha visto em nenhum outro lugar que me chamou a atenção no projeto mineiro Poesia Orbital. Mais tarde, quando
estive à beira da morte, Adriana, que eu tinha visto pessoalmente apenas uma
vez, dedicou-me um belíssimo poema, “O templo de Leila e a chave que perdi”,
publicado no jornal Dezfaces.
E eu, a despeito de todos os prognósticos médicos, sobrevivi. E foram seus textos
poéticos, como os de A lâmina que matou meu pai, com imagens tão inquietantes, com aquela leveza terrível que os anjos possuem, que me ensinaram a produzir todo um livro quando, posteriormente,
me aventurei pela poesia. Por isso me refiro ao poder que as palavras
têm. De mudar nossa vida, de nos matar, de nos salvar. Inclusive à nossa
revelia. De Adriana, deixo este texto que evoca a mulher primeira, mágica, que,
antes da calada Eva, teve a coragem de dizer: “Meu nome é linguagem”.
(Leila Guenther)
Lilith
I
Hora
do Angelus:
As
amaldiçoadas Evas de Santana do Rio Verde
[batem com o joelho
no chão.
Ainda
uma menina o tempo se abre para mim.
Anoitece
e tento mais uma vez esta história.
Meu
nome é linguagem.
II
Atravessei
a estrada carregando umas coisas.
A
vida não era mais o que houve até então.
A
dez minutos do pasto seco, esta casa é a cidade
[de
matutos e livros empoeirados.
Nesta
tarde, um novilho rumina três vezes
[antes
de morrer.
Sento
à sua sombra.
III
Mais
cedo meu pai deseja a minha morte.
Da
palavra de homem apanho calada até
[os sinos rebentarem.
Sou
linguagem.
IV
Quinze
mulheres me ensinaram a ler o destino
[nos
farelos de pão espalhados pela
[mesa
do café, todas as manhãs.
Todas
as manhãs, as roupas no varal.
As
notícias no velho rádio de válvulas,
[todas
as manhãs.
Com
minha avó aprendi a cantar.
O
resto li nos livros.
V
Imóvel,
amarrada a esta cadeira não tenho força
[para cortar os pulsos.
O
imbecil trancou-se na gaiola.
Mãe,
a Guerra Santa mal começou.
VI
Briga
de socos.
Coração
é músculo.
O
líquido que escorre entre as minhas pernas
[mancha
a história do quintal.
Um
dente cai sobre o chão de terra batida.
Se
fosse sonho seria presságio.
VII
Travesseiro
de macela e uma noite de amor.
Este
homem parece um menino quando dorme.
Passo
o café no coador de pano.
Casa,
seu cheiro é linguagem
VIII
O
tempo se abre para mim e do outro lado da
[mesa
me vejo no meu irmão.
Depois
do mata-burro tem um lago.
Brincamos
de sermos os sanhaços azuis que
[tomam banho lá, eu e meu irmão.
IX
Juro
que eu queria que todas as flores
[procurassem
o sol.
Água
corrente, juro que eu queria.
Juro
que eu queria alimentar a chama.
Minha
sina de mulher, juro que eu queria.
Guardei
todos os escritos no baú que herdei do
[meu
avô, para que meus filhos vejam.
No
dia da minha morte, tudo que eu queria.
X
A
menininha tossiu e me levantei para cobri-la.
Senti
frio.
Fingimos
dormir, enquanto as botas tingem de
[terra
os tacos.
XI
Pálida,
fraca.
O
viço se misturando à lã do cobertor marrom.
Não
abre mais os olhos.
Matar-se
resolveria o problema.
Sua
vingança:
Viver
para sempre deitada no sofá da sala.
(Adriana Versiani dos Anjos)
Que lindo Leila, muito obrigada. Fico muito honrada com as suas palavras. Um beijo enorme para você e, quando der, vewnha aqui me ver.
ResponderExcluirtexto lindo, Adriana. Foi bom poder falar sobre ele. E sobre você.
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