Ao
conhecer Leila Guenther, inevitável pensar em sua herança oriental. Apesar
do sobrenome do pai alemão, Leila tem ascendência japonesa por parte de mãe. E
aí vêm os estereótipos sobre quem tem uma outra etnia e é mulher, no Brasil.
Pensa-se primeiro na etnia e a seguir no gênero para tentar definira que grupo
o autor pertence. Mas a poesia de Leila foge dos estereótipos, deixando-se
tocar de leve pelo charme de pertencer a uma etnia milenar e ser feminina.
Viagem a um Deserto Interior é dividido em cinco partes: Paisagens de Dentro, O Deserto Alheio, Castelo de Areia, Um Jardim de Pedra e A Possibilidade do Oásis. Cada parte está relacionada
com um tema contemporâneo: solidão, o Outro, o estranhamento do cotidiano, o zen-budismo
e amor. A autora publicou um primeiro livro, de ficção O Voo Noturno das Galinhas pela
Ateliê Editorial, que acaba de ser lançado em uma edição portuguesa. O
livro foi um dos 17 contemplados pelo Prêmio Petrobrás Cultural de 2012.
De acordo com o poeta e crítico Alcides Villaça, Viagem a um deserto interior contém “um espanto de
vida a um tempo estoico e dilacerado, ressurgido de incêndios, vingando um
calar histórico. Urro e desprezo podem acalantar a criatura ofendida, as
inquietudes podem se abrigar numa forma zen, a paisagem contemplada pode
guardar uma guerra dentro.” O deserto explicita a metáfora do esforço
zen-budista, visto no jardim seco zen-budista. A mente é como o jardim e das
pedras e areias pode surgir um mundo mais profundo. As angústias não deixem de
ser belas, porque constituem a beleza da paisagem humana. Dominadas, nada
resta a não ser contemplá-las, em doce abandono.
Leila Guenther é formada em Letras pela
Universidade de São Paulo e autora do livro de contos O Vôo Noturno das Galinhas (Ateliê Editorial),
traduzido para o espanhol (Borrador Editores) e em Portugal. Este lado para cima,(Sereia Ca(n)tadora, Revista
Babel). Participou de antologias de contos e poesia. Para os palcos
de Robert Wilson, adaptou a peça A dama do mar, de
Susan Sontag (N-1 Publications), baseada em Ibsen, e traduziu A velha, adaptação de Darryl Pinckney para uma novela
de Daniil Kharms.
(Marília Kubota, Memai – Revista de Letras e Artes – Brasil – Japão)
CIMENTO
Todas
as fotos sumiram.
Seu
rosto se desfez
como
um muro aos poucos encoberto pelo musgo,
um
muro cada vez mais rabiscado,
que
vai perdendo a pintura,
até
desabar com os anos de chuva e descuido
e
deixar entrever a casa abandonada.
Uma
foto apenas
-
quase derruída -
reside
em algum lugar de mim
tornado
árido e áspero.
Um
instantâneo
onde
seu rosto se debruçava
sobre
o meu
enquanto
desaparecíamos.
Penso
se o cachorro,
aquele
cão que se perdeu na mudança,
hoje
também se lembraria de seu rosto futuro.
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