Os cães de Tokushima merecem aqui menção particular, já pelo porte, já pelos costumes.
Como porte, são em regra magníficos, de grande corpulência; possivelmente, parentes próximos dos cães de luta da província de Tosa, não muito distante, pouco mestiçados com a canzoada reles que eu encontrava em Kobe.
Como costumes, convém saber que os cães de Tokushima vivem em geral em perfeita liberdade, conhecendo muito pouco a coleira e ainda menos a corrente. Têm seus donos nominais; mas acontece que, por miséria, ou por mesquinhez, ou por indolência, quase deles não cuidam. Os cães de Tokushima pouco se ralam por este fato; conhecem os donos vagamente; dormem em qualquer parte, pelas ruas; todos os dias, por duas ou três vezes, fazem visitas domiciliárias a uma certa clientela humana, furando pelos cercos dos jardins, saltando os muros, invadindo os pátios, indo até às vizinhanças das cozinhas, cheirando, rebuscando pelo lixo, devorando aqui uma espinha, ali um resto de batata; e vão embora, graves, dignos, com ares de verdadeiros agentes, que são, da manutenção da higiene pública.
Os cães de Tokushima, menos favorecidos da fortuna do que os cães de outros países, desconhecem o prazer do osso. É o caso que a gente desta terra, que até há poucos anos, como a grande maioria dos japoneses, não comia carne de vaca, come-a agora, mas vendida apenas em pedaços miúdos de febra, que se prepara em casa, em suki-yaki, isto é, guisando-a com cebolas, com açúcar e outros condimentos; o osso é excluído da caçarola doméstica.
Quanto às pesquisas domiciliárias destes industriosos visitantes, devo dizer, para lhes completar o caráter, que por várias vezes tenho estendido mão carinhosa àqueles, uns sete ou oito em número, que frequentam o meu lar.
A princípio, o gesto fazia-os fugir, apavorados; agora, suportam-no sem espanto, morno o olhar. O cão de Tokushima desconhece o uso das festas e as carícias; se as recebe por acaso, não sabe retribuí-las; quer comer, não quer festas. No respeitante ao seu grau de civilização, encontra-se ainda quase selvagem, quase nômade; não é ainda o companheiro, o amigo do homem; é, quando muito, o seu parasita, cauteloso e desconfiado.
É bem de ver que o homem de Tokushima também ainda não é o amigo do cão. Sê-lo-á um dia, certamente, com o andar dos tempos, quando confiar menos na sua boa estrela e nos homens, seus irmãos. Quanto a mim, a afeição humana pelos brutos é um sentimento emanado do agro das desilusões e dos revezes recebidos na existência social; quem sofre com os homens busca consolação fora deles.
Como porte, são em regra magníficos, de grande corpulência; possivelmente, parentes próximos dos cães de luta da província de Tosa, não muito distante, pouco mestiçados com a canzoada reles que eu encontrava em Kobe.
Como costumes, convém saber que os cães de Tokushima vivem em geral em perfeita liberdade, conhecendo muito pouco a coleira e ainda menos a corrente. Têm seus donos nominais; mas acontece que, por miséria, ou por mesquinhez, ou por indolência, quase deles não cuidam. Os cães de Tokushima pouco se ralam por este fato; conhecem os donos vagamente; dormem em qualquer parte, pelas ruas; todos os dias, por duas ou três vezes, fazem visitas domiciliárias a uma certa clientela humana, furando pelos cercos dos jardins, saltando os muros, invadindo os pátios, indo até às vizinhanças das cozinhas, cheirando, rebuscando pelo lixo, devorando aqui uma espinha, ali um resto de batata; e vão embora, graves, dignos, com ares de verdadeiros agentes, que são, da manutenção da higiene pública.
Os cães de Tokushima, menos favorecidos da fortuna do que os cães de outros países, desconhecem o prazer do osso. É o caso que a gente desta terra, que até há poucos anos, como a grande maioria dos japoneses, não comia carne de vaca, come-a agora, mas vendida apenas em pedaços miúdos de febra, que se prepara em casa, em suki-yaki, isto é, guisando-a com cebolas, com açúcar e outros condimentos; o osso é excluído da caçarola doméstica.
Quanto às pesquisas domiciliárias destes industriosos visitantes, devo dizer, para lhes completar o caráter, que por várias vezes tenho estendido mão carinhosa àqueles, uns sete ou oito em número, que frequentam o meu lar.
A princípio, o gesto fazia-os fugir, apavorados; agora, suportam-no sem espanto, morno o olhar. O cão de Tokushima desconhece o uso das festas e as carícias; se as recebe por acaso, não sabe retribuí-las; quer comer, não quer festas. No respeitante ao seu grau de civilização, encontra-se ainda quase selvagem, quase nômade; não é ainda o companheiro, o amigo do homem; é, quando muito, o seu parasita, cauteloso e desconfiado.
É bem de ver que o homem de Tokushima também ainda não é o amigo do cão. Sê-lo-á um dia, certamente, com o andar dos tempos, quando confiar menos na sua boa estrela e nos homens, seus irmãos. Quanto a mim, a afeição humana pelos brutos é um sentimento emanado do agro das desilusões e dos revezes recebidos na existência social; quem sofre com os homens busca consolação fora deles.
(Wenceslau de Moraes, O Bon-Odori em Tokushima. Porto, Companhia Portuguesa Editora Ltda.)
A respeito de cães - este assunto delicado, a rigor fora do nosso alcance - sugiro que mostre ao Golias fotos de nossa Karina. Ambos gostam tanto da vida que, além das lições que têm para nos ensinar, é capaz que venham a se coresponder.
ResponderExcluirPedro, como disse à sua mãe há pouco, costumava responder aos comentários por email, porque nunca tinha reparado nesse botão (?) "responder"...Bem, o Golias adorou as fotos da Karina, mas disse que ela é muita areia para o caminhãozinho dele. Abraço!
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