terça-feira, 10 de novembro de 2009

Antologia canina (na feliz expressão de Carpeaux) I - A ilha Oxias


Essas perseguições nos países do Leste não são nada se comparadas ao que, em outra época, aconteceu na Turquia. O desenhista e escritor Sem as testemunhou. As ruas de Constantinopla eram célebres por sua população de cachorros, animais tranquilos, sociáveis. Pierre Loti dizia que gostava muito deles. Eram milhares. Em 1910, a polícia decidiu eliminá-los. Mas eles não foram mortos: foram deportados para uma ilha do mar de Marmara, a ilha Oxias. Sol a pino, sem água, sem comida.
Sem viu a rede de cães que os curdos prendiam com enormes ganchos de ferro. Eles eram jogados, “ofegantes como simples armênios”, em carroças puxadas por búfalos. Regularmente, gabarras carregadas de jaulas levavam novas vítimas para a ilha. Oxias, a distância, chamava a atenção por seu fedor. Milhares de cães e pássaros disputando as carniças lutavam até mesmo na água, sobre a qual flutuavam os cadáveres. Muitos se afogavam.
Eis o que os homens faziam aos cães enquanto não aplicavam os mesmos métodos aos seus semelhantes.



(Roger Grenier. Da dificuldade de ser cão. Trad. Lucia Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2002)

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