sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A parede, uma porrada

 


Trecho da sinopse:

“Ao acordar sozinha no chalé de caça onde estava hospedada nos Alpes austríacos, a narradora deste romance descobre-se cercada por uma barreira invisível e intransponível. Do outro lado, o mundo parece petrificado, suspenso num misterioso estado de destruição imóvel e silenciosa. Sem acesso à civilização, ela precisa aprender a sobreviver em completa solidão, acompanhada apenas por um cachorro chamado Lince, uma vaca que batiza de Bella e uma gata.

(…)
Reconhecida como uma das grandes obras da literatura distópica e feminista, e publicada em 1963 — um prenúncio dos piores anos de tensão nuclear na Guerra Fria —, A parede apresenta, com precisão e força narrativa, uma jornada íntima e universal. Ao mesmo tempo, propõe uma visão também utópica: sozinha, a protagonista forma uma nova comunidade baseada no cuidado e na conexão com a natureza. Para ela, amar um animal se torna mais fácil — e talvez mais verdadeiro — do que amar um ser humano.
Em uma narrativa que combina o realismo vívido da vida reconstruída a partir do essencial — plantar, caçar, cuidar — e uma meditação filosófica sobre o tempo, o corpo e o sentido da vida, Haushofer captura uma radical dessencialização do humano.”

Trecho do romance:

“(…) as chances de eu manter aqueles animais vivos no meio da floresta eram bem menores do que as chances de eles morrerem. Até onde me lembro, sempre tive esse tipo de medo, e sempre terei, enquanto houver alguma criatura viva sob meus cuidados. Por vezes, muito antes de a parede existir, desejei estar morta, para enfim me livrar do meu fardo. Nunca falei sobre esse peso que carregava; um homem não teria entendido, e as mulheres se sentiam exatamente como eu. Assim, preferíamos ficar falando de vestidos, amigas e teatro, e ríamos, escondendo nos olhos a preocupação que nos consome. Cada uma de nós sabia disso, e nunca falávamos a respeito. Afinal, era o preço que pagávamos pela capacidade de amar. Mais tarde, conversei com Lince sobre isso, só para não desaprender a falar. Ele conhecia apenas um remédio para todo mal, uma breve e aprazível corrida na floresta. A gata até que me ouve com atenção, desde que eu não demonstre nenhuma emoção. Ela desaprova o menor traço de histeria e simplesmente vai embora quando me deixo levar. Bella tem o hábito de responder a qualquer coisa que eu lhe diga com uma lambida no meu rosto; pode ser reconfortante, mas não é uma solução. Não há solução, até minha vaca sabe disso, mas eu sigo lutando contra o sofrimento.”

(Marlen Haushofer, A parede. Trad. Sofia Mariutti. Todavia) 


Nenhum comentário:

Postar um comentário