terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Do Livro do chá

“[A filosofia do chá] Representa o verdadeiro espírito da democracia oriental ao tornar todos os seus adeptos aristocratas do bom gosto.”

“Aqueles incapazes de sentir em si mesmos a pequenez das coisas grandiosas tendem a ignorar nos outros a grandiosidade das pequenas coisas. O ocidental comum, em sua branda complacência, verá na cerimônia nada mais que outro dos mil e um exemplos de esquisitices que para ele se constituem em singularidades e infantilidades do Oriente. O ocidental comum se habituou a considerar o Japão como um país bárbaro enquanto este cultivou as suaves artes da paz, mas o classifica como civilizado desde que começou a perpetrar carnificina em massa nos campos de batalha da Manchúria.”

“Confúcio disse que ‘o homem não se esconde’. Talvez nos revelemos em demasia nas pequenas coisas por termos tão pouco das grandes para ocultar.”

“No Japão, temos um velho ditado que diz: uma mulher não consegue amar um homem realmente vão, pois no coração deste não há brechas por onde o amor possa penetrar e preencher. Nas artes, a vaidade, tanto da parte do artista quanto do público, é igualmente fatal para a compreensão.”

“É muito lamentável que tanto do aparente entusiasmo pelas artes nos dias de hoje não se fundamente em sentimentos reais. Nesta nossa era democrática, os homens clamam por aquilo que é popularmente considerado o melhor, independente de seus sentimentos. Querem o caro, não o refinado; o que está na moda, não o belo. (...) Para eles, o nome do artista é mais importante que a qualidade da obra. Conforme se queixou certo crítico chinês séculos atrás, ‘as pessoas criticam uma pintura de ouvido.’ Essa falta de apreciação genuína é responsável pelos horrores pseudoclássicos que nos saúdam para onde quer que nos voltemos.”

“Um colecionador anseia por adquirir exemplares para ilustrar um período ou uma escola, e se esquece que uma única obra-prima pode nos ensinar muito mais que qualquer quantidade de produtos medíocres de um determinado período ou escola. Classificamos demais e apreciamos de menos.”

“É triste, mas não podemos ocultar o fato de que, apesar de nossa camaradagem com as flores, não nos alçamos muito acima do bruto. Arranhe a pele do cordeiro e o lobo em nós mostrará os dentes. Já foi dito que o homem aos dez anos é um animal, aos vinte, um maluco, aos trinta, um fracasso, aos quarenta, um impostor, e aos cinquenta, um criminoso. Talvez se torne criminoso porque nunca deixou de ser um animal.”

 (O Livro do Chá. Kakuzo Okakura. Trad. Leiko Gotoda. São Paulo, Estação Liberdade, 2008)








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