quarta-feira, 27 de maio de 2009

Náusea em alto-mar

Preciso dizer isso. Tenho pressa. Quando tudo se confunde, se os motivos deste vagar constante se perdem, quando não sei mais se busco alguém ou se outro me persegue, então me lembro de você. Poderia ser este o motivo, talvez seja. Esta viagem não tem nome, nem destino, mas você foi sócia deste itinerário. Até ir embora, ou me impelir a ir. Falo sem mágoa, nem poderia ser diferente. Fiz uma escolha. Não tenho medo de ficar só. O nome disso é tristeza. Te vejo ir e sei que fui eu quem causou este estranhamento, fui eu que soltei sua mão quando você tentava me segurar. Senti seus dedos escorrendo por minha pele, o contato frio e úmido. Evitei olhar em seus olhos, sabia que os encontraria também úmidos. Sei desta dor porque também a sinto. E por que fiz isto? Me pergunto neste momento em que sua imagem se distancia, sem palavras. Você foi embora, para o refúgio de sua casa, ou se mudou de cidade, qualquer coisa longe de mim. Os caminhos se afastaram, e me pergunto como deixei que se fosse alguém que gosto tanto. A pulsão da vida me assalta, me faz prisioneiro de vontades tolas, me desgoverna. Refaço minha história a cada minuto, ainda que me custe um bocado. Sigo atrás de uma alegria que quase vem, quase, e que eu insisto em buscar. Piso um chão movediço, me delicio com suas armadilhas, rio e choro pelos mesmos motivos, sou pura contradição. Te quero e te deixo ir. Vivo hoje, quem sabe de mim amanhã? Vou pegar meu barco, minha nau trôpega, com suas velas atrevidas e frágeis, e vou seguir viagem. Vou em busca de um destino, uma razão que justifique a travessia, um lugar em que possa atracar – ainda que por pouco tempo. Sei pouco do mundo, mas acaricio uma certeza: as águas que me levam não passam mais por sua cidade.


(José Eduardo Gonçalves. Vertigem. Rio de Janeiro, Record, 2003)

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