segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Quem foi a Baronesa de Itaguaí

 


Não havia falado ainda da plaquete Aforismos & Foras da Baronesa de Itaguaí (psicografados por Leila Guenther), que publiquei em 2024 pela Galileu Edições. Esta iniciativa de Jardel Dias Cavalcanti tem divulgado traduções e textos éditos e inéditos de diversos autores, como Augusto de Campos, Gerald Thomas, Rimbaud, Sylvia Plath, no formato simpático de plaquete, aquele livro fininho, artesanal, com espaço para experimentações.

Aforismos surgiu como um besteirol da personagem que criei nas redes, a Baronesa de Itaguaí. Seu nome é uma referência ao Barão de Itararé, pseudônimo de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, perseguido pela ditadura militar por suas frases irreverentes. Aliás, a epígrafe do livrinho é dele. Tal como o barão, o nome do lugar de onde provém a baronesa é de origem indígena (o prefixo ita- significa “pedra”). Itaguaí, no caso, é o cenário do conto “O alienista”, de Machado de Assis, cujo protagonista interna no hospício todos os habitantes da região. Só tarde é que passei a gostar do cômico e, em especial, de fazer piada, sobretudo comigo mesma. Acho que isso se relaciona a uma época da vida em que nos importamos cada vez menos com o que pensam (ou não) de nós e cada vez menos nos levamos a sério. Alguma vantagem a idade precisa trazer. É difícil aguentar a si próprio quando se é constantemente chato e sem senso de humor. Trata-se de um exercício intimamente libertador e também mentalmente instigante, porque comicidade é algo difícil de criar. Houve quem acreditasse na existência real da baronesa, porque não a associavam a mim (ex-chata, espero). A imagem da capa, um boneco de vodu com um detalhe politicamente incorreto, foi criada pelo escritor, artista plástico e historiador Ronald Polito, um dos sujeitos mais brilhantes que já conheci.

Para quem quiser adquiri-la ou a outras plaquetes, é só falar com Jardel, o editor: galileuedicoes@gmail.com

https://www.instagram.com/galileu.edicoes/

 















 




sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A parede, uma porrada

 


Trecho da sinopse:

“Ao acordar sozinha no chalé de caça onde estava hospedada nos Alpes austríacos, a narradora deste romance descobre-se cercada por uma barreira invisível e intransponível. Do outro lado, o mundo parece petrificado, suspenso num misterioso estado de destruição imóvel e silenciosa. Sem acesso à civilização, ela precisa aprender a sobreviver em completa solidão, acompanhada apenas por um cachorro chamado Lince, uma vaca que batiza de Bella e uma gata.

(…)
Reconhecida como uma das grandes obras da literatura distópica e feminista, e publicada em 1963 — um prenúncio dos piores anos de tensão nuclear na Guerra Fria —, A parede apresenta, com precisão e força narrativa, uma jornada íntima e universal. Ao mesmo tempo, propõe uma visão também utópica: sozinha, a protagonista forma uma nova comunidade baseada no cuidado e na conexão com a natureza. Para ela, amar um animal se torna mais fácil — e talvez mais verdadeiro — do que amar um ser humano.
Em uma narrativa que combina o realismo vívido da vida reconstruída a partir do essencial — plantar, caçar, cuidar — e uma meditação filosófica sobre o tempo, o corpo e o sentido da vida, Haushofer captura uma radical dessencialização do humano.”

Trecho do romance:

“(…) as chances de eu manter aqueles animais vivos no meio da floresta eram bem menores do que as chances de eles morrerem. Até onde me lembro, sempre tive esse tipo de medo, e sempre terei, enquanto houver alguma criatura viva sob meus cuidados. Por vezes, muito antes de a parede existir, desejei estar morta, para enfim me livrar do meu fardo. Nunca falei sobre esse peso que carregava; um homem não teria entendido, e as mulheres se sentiam exatamente como eu. Assim, preferíamos ficar falando de vestidos, amigas e teatro, e ríamos, escondendo nos olhos a preocupação que nos consome. Cada uma de nós sabia disso, e nunca falávamos a respeito. Afinal, era o preço que pagávamos pela capacidade de amar. Mais tarde, conversei com Lince sobre isso, só para não desaprender a falar. Ele conhecia apenas um remédio para todo mal, uma breve e aprazível corrida na floresta. A gata até que me ouve com atenção, desde que eu não demonstre nenhuma emoção. Ela desaprova o menor traço de histeria e simplesmente vai embora quando me deixo levar. Bella tem o hábito de responder a qualquer coisa que eu lhe diga com uma lambida no meu rosto; pode ser reconfortante, mas não é uma solução. Não há solução, até minha vaca sabe disso, mas eu sigo lutando contra o sofrimento.”

(Marlen Haushofer, A parede. Trad. Sofia Mariutti. Todavia)